Junto com a revolução francesa
nasceu o conceito da Meritocracia – até hoje utilizado, muito polêmico e
combatido pela reforma pedagógica. Se antes todos os benefícios eram dos
aristocratas por direito fundamentado em suas origens, a partir da revolução
todos os cidadãos passaram a poder alcançar suas conquistas próprias pelas vias
de seus “méritos”. A partir desse marcador histórico conceitos como disciplina,
esforço, dedicação e superação passaram a ser estimulados e vigorar como regra
de conduta.
É em função dessa lógica
conceitual que a gente acha que é “ok” (ou até “inspirador”) ler reportagens
enaltecendo adolescentes que estudam oito horas por dia para “realizar o sonho”
de passar em algum vestibular concorrido ou pessoas em situação completamente
desfavorável (pobreza, jornada tripla, dificuldades) sendo aprovados em
concurso público, por exemplo. É por isso também que o mote da maioria dos
livros e palestras motivacionais se baseia em “seja o autor da sua história”, “tome
as rédeas da sua vida” ou “faça acontecer”. Até na academia introjetamos que “sem
dor, sem ganho” quando tentamos emagrecer ou ganhar massa.
A palavra “impossível” saiu do
vocabulário por desuso já que tudo parece ser questão de se comprometer com o
objetivo. Assim fica fácil entender o tanto que aumenta a frustração quando a
gente não consegue algo que deseja né? Já que é como confessarmos ao mundo que
somos tão incompetentes que nem com toda combinação de disciplina, esforço e dedicação
(receita tão divulgada, oras!) conseguimos atingir nossas metas. Não, não haveria
de ser porque não existem vagas universitárias ou de concurso suficientes para
todos os que as desejam, há de ser sempre inabilidade nossa. Não, não haveria
de ser porque nosso organismo segue seus vieses biológicos individuais que não engordamos,
emagrecemos ou ficamos sarados e sim porque estamos sendo preguiçosos.
Talvez tenhamos nos conectado
tanto com a logica de superar dificuldades para fazer grandes conquistas que
ate nossa vida sentimental estejamos regendo sob esta batuta. Li o trecho do
livro Romance Moderno do Aziz Ansari na Piauí (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/sera-que-ela-vai-escrever-de-volta-sera-que-nao/)
e fiquei com a pulga atrás da orelha. Aziz usa muitos estudos baseados em
pesquisas científicas de credibilidade para estabelecer relação entre dificuldade
e atração. Ok, sei que esse papo não é de hoje senão a máxima de “trata mal que
eles pagam pau” não estaria em vigência, certo?
Aziz cita um estudo de Erin Whitchurch, Timothy Wilson e Daniel
Gilbert que mostrou a um grupo de mulheres perfis de rede social
masculinos que, segundo os pesquisadores, haviam visitado o perfil delas. Elas
eram informadas de que uma parte do grupo as havia achado interessantes, outra
parte as julgava desinteressantes e a terceira parte foi atribuída a ‘incerteza’
sobre o feedback que era atribuída aos seus perfis. A mulherada declarou que
quem persistiu em suas mentes após o encerramento havia sido o grupo dos
incertos. Tudo indica que sim, quanto mais rara for a água maior será a sede. O
que pensar sobre isso?
Groucho Marx tem uma frase
certeira, que talvez elucide um pouco as coisas: “recuso-me a fazer parte de um
clube que me aceite como sócio”. Lacan,
psicanalista francês, cunhou o termo ‘grande outro’ para explicar nossa relação
com figuras a quem atribuímos elevado valor, considerando que suas opiniões e impressões
acerca de quem somos tem maior peso do que as dos demais. Talvez, portanto, por
caprichos de nosso inconsciente, acabemos por escolher pessoas difíceis para
desejarmos e repudiemos os que nos aceitam como sócios afinal, quem haveria de
nos querer e aceitar? Se não fosse assim será que os tocos que tomamos de
pessoas que conhecemos tão pouco para valorarmos tanto nos machucaria com esta proporção?
Se não fosse assim porque persistiria esse “querer conquistar qualquer coisa
assim em você”de que fala Caetano Veloso em Eclipse Oculto?
Passei dias com esse texto na cabeça,
tentando concatenar suas ideias ate que hoje uma amiga me procurou para
desabafar. Embora ela tenha quatro pretendentes, deseja uma mulher que lhe
disse que não tem interesse em relacionar-se no momento. Ora, ela poderia
simplesmente desfrutar dos esforços românticos de quem esta tentando
conquista-la, mas insiste – agora esta mesmo determinada a – tentar convencer
justo a menina que não a quer de que ela vale a pena. Como a opinião dessa
garota em questão acabou virando a mais importante nesse momento? Porque fazer força
para convencer alguém de que somos amáveis quando há outras pessoas dispostas a
nos amarem sem que precisemos provar nada? Porque dentre tantos clubes só
queremos os que não nos querem como sócios?
Posso estar elocubrando muito ao
falar de uma “meritocracia sentimental”, de uma “logica do desafio” orientando
nossas buscas amorosas, mas se eu estiver me inclinando para uma leitura
correta e estivermos todos procurando nos provar através de grandes atributos
ou esforços, será que não valia a tentativa de se desafiar a se permitir ser
gostado, ser conquistado, mudar o viés pelo qual vivemos a situação? Talvez se
a gente parar de correr na subida da montanha a gente possa dar uma apreciada
na paisagem, não? Ou podemos continuar bancando o Pink e o Cérebro e dia após dia
tentarmos conquistar o mundo. O que a gente ganha fazendo isso eu não sei, mas
o que a gente vai perdendo acredito que saibamos todos.