quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Desculpe, não estou disponível (e nem sequer me dei conta disso).



Minha amiga ficou solteira. Tivemos todos aqueles papos sobre os prazeres do corpo serem o foco do momento dela e o coração ter um descanso (sempre pensando na figura do boizinho do açougue me pergunto: porque a gente acha que é tudo assim claramente separado por linhas pontilhadas limitando o que é tesão, farra, paixão, apego, querer bem? Ô povinho com fantasia de controle somos nós!). Pouco tempo depois estávamos tendo conversas sobre a maior dificuldade de estar solteira ser o não ter com quem contar quando a vida dá pepino, os planos falham, o dinheiro acaba, alguém adoece, a gente se sente sem chão. Claro que temos amigos – prova disso é que estávamos desabafando uma com a outra - mas me parece que nessas horas queremos a presença de alguém que ocupe uma cumplicidade ainda mais específica.

Em alguma instância todo mundo quer alguém. É de nossa natureza sermos seres relacionáveis, contudo o paradigma do nosso tempo é a liberdade e há um “modus operandis” para vivenciá-la – o “sertanejismo”. Carpinejar, poeta gaúcho dos bons, disse que liberdade na vida é ter um amor pra se prender. Que bom que sempre existe mais de uma forma de tocar a vida – mas será que a gente sabe que está escolhendo o que está escolhendo? E será que entende as consequências da nossa escolha?

Vamos ao barzinho. A balada. Entramos no tinder. Todos os olhos estão a espreita para achar “alguém”. E é aí que não me canso de admirar a idiossincrasia humana e de sofrer em função dela. Exemplos não faltam: um cara que insistiu muito para sairmos disse que no quinto encontro todas as mulheres já tinham virado um tédio, uma amiga ouviu de um rapaz que não podia passar de uns beijinhos pois ele morava em outra cidade, um amigo só conseguia ver a paquera uma vez na semana (não sei vocês mas isso sempre me lembra a época da escola quando eu não era senhora do meu próprio tempo) pois ela estava constantemente ocupada com coisas rigorosamente inegociáveis anotadas em uma agenda cheia até dezembro de dois mil e dezesseis, outra colega já foi apresentada ao seu dito cujo enquanto ele anunciava que não procurava nada sério (no meu tempo ainda se usava primeiro o “oi, tudo bem?”).

Brochamos todos, é claro. Tive pavor de ser um tédio e me mandei. Minha amiga achava surreal nem ter beijado alguém que já tinha decidido o futuro da coisa, tirando toda graça do mistério que “sempre há de pintar por aí”. Minha colega resumia sua sensação frente a convicção do rapaz com um trecho da Alice Ruiz “ninguém sabe o que procura”. Meu amigo cansou de disputar com tantas coisas que pareciam sempre tão mais especiais, interessantes e prioritárias do que os momentos com ele.

Costumo pensar no fenômeno como indisponibilidade emocional e de agenda. Talvez seja uma metáfora péssima, mas penso que pessoas sejam como cebolas e a gente precise gastar tempo mesmo retirando as camadas para se encontrar com suas várias facetas. Qualquer pessoa escolada não vai se entregar de cara e qualquer um que não desvele essa camada vai perder de achar uma surpresa nalguma outra. Andamos por aí feito zumbis correndo de um lado pro outro tentando ter tempo para fazer tudo que precisamos e desejamos e nos falta tempo pra perceber que não temos esse tempo pra perder.


Pensando em um casal que eu conheço e que está passando por um momento de distância geográfica eu sorri. O livro que eu ganhei no amigo secreto de final de ano “por onde andam as pessoas interessantes?” não faz mais tanto sentido. Elas estão por aí, certamente. Talvez esperando pra entrarem na nossa vida e bagunçarem toda a nossa pré-programação. Será que nos disponibilizamos a tanto? 

Assim, acho que a pergunta certa a se fazer é: onde estão as pessoas interessadas?

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quem a gente quer parecer que é



No filme novo do Peanuts, numa manhã de neve em que a turma toda está se divertindo chega um caminhão de mudança trazendo uma nova criança para a vila: a garotinha ruiva.

Charlie Brown logo fica encantado por ela e desejando merecer seu afeto surge em sua mente  uma questão urgente: ele precisa se apresentar para ela como quem ele de fato é antes que ela conheça toda a turma e seja apresentada a ele através de quem a turma pensa que ele é (até porque sua moral com a turma não anda lá muito alta e dependendo do que a ruivinha ouça falar ele teme que ela não lhe dê a chance de uma segunda olhada).

O pobre Charlie pede conselhos a Lucy (justo a ela!) e sai com um livro que ensina a ser vitorioso. Ele devora os capítulos do livro e tenta coloca-los em prática, mas bom, aquele não é ele. Paradoxo: ele tem tanto medo que a ruiva conheça a fama que o precede não por sua improcedência, mas justamente por acreditar em suas verdades e começa a tentar ser o que a cabeça dele (e a de Lucy) imagina que é o homem que a garota ruiva está procurando.

 Quem nunca? Não é essa a lenda de todo início de encontro amoroso? Batalhamos pela oportunidade de nos apresentarmos como somos, mas na sede de nos sermos sem precedentes quantas vezes acabamos nos desperdiçando ao inventar um alguém inédito que definitivamente não somos na esperança de que ele seja o que o outro procura? Dois mil e dezesseis e seguimos comprando e executando receitas que vem da leitura da nossa mente sobre os fenômenos ao nosso redor.

Tive a chance de escutar duas tias falando da experiência universitária da mesma sobrinha. Para tia X a menina tinha suas dificuldades de aprendizagem e um histórico de não gostar de estudar, porém a universidade poderia ser um novo caminho para que ela descobrisse novos gostos. Para tia Y a menina não tinha nascido para estudar e pronto. Ia ser vagabunda e andaria com vagabundos ainda piores do que ela. Não conheço a jovem em questão, mas sei o peso que a opinião dos outros e as realizações que eles esperam de nós – principalmente dos queridos – tem sobre quem somos. De certa forma sempre caminhamos pela terra dos ecos das profecias sobre nós com certa ansiedade para saber se as cumpriremos ou negaremos. No fim, quem é essa menina de verdade? Apenas algum desses dois relatos? A soma de ambos? Ou um universo muito mais complexo? Não, não esqueço Freud, claro que quando as tias me falam da sobrinha me falam também delas mesmas e de suas relações.


Quem é que a gente é de verdade então? Provavelmente nem a gente sabe. Somos pouco educados a olhar pra nós e buscarmos nos entender.  Talvez a gente saiba quem a gente é agora, mas se veja sendo outra coisa daqui a pouco. Talvez a gente nunca seja e sim sempre vá sendo. E se a gente permitir a gente vai se surpreender muito com as coisas que somos capazes de ser porque todo encontro vai nos reinventar e cada pessoa vai despertar em nós a vontade de sermos muitas coisas e, se não nos cerceamos, as seremos. Todo mundo pode fazer o olho de alguém brilhar. Não é mesmo, Charlie Brown? Que puxa!

domingo, 17 de janeiro de 2016

Fora das cercas


Se durante um café me perguntassem o que eu acho desse manual de etiqueta do que pode ou não pode fazer quando estamos flertando ou nos relacionando com alguém eu diria: besteira pura. Isso, contudo não me isenta de já ter seguido o manual, pois quando acrescentamos o ingrediente “sentimento” o caldo costuma entornar. É como diz o meme: quando a gente gosta é claro que a gente surta.

Em uma análise mais metafórica somos todos iguais ao Arlo, dinossauro do novo filme da Pixar. Vivemos dentro dos limites cercados que nos foram apresentados e não fazemos ideia de que “há tanta vida lá fora” – como não estamos familiarizados com essa vastidão só nos resta tentar responder aos acontecimentos inesperados com a nossa resposta padrão, que muitas vezes é a única que conhecemos por se aplicar ao habitat emocional que vivemos.

Quais seriam as nossas cercas? Disputar para ver quem demora mais para responder uma mensagem para não parecer interessado demais, anunciar que não estamos procurando nada sério (ou até estamos, mas só com a pessoa perfeita que já idealizamos em nossa mente e que só existe por lá mesmo), disputar para ver quem “está por cima” (e não no sentido gostoso!) na relação, não falar de sentimentos para não dar ao outro a impressão de que estamos tentando captura-lo ou dando a ele o poder de agir sobre nós, fingir que não tem interesse para não parecer fácil. Se namoramos a pessoa colocamos regras em seus comportamentos tentando mantê-la na fôrma para evitar que ela nos machuque: não vai sair com as “amiguinhas/amiguinhos”, não pode falar com ex, ir pra balada sozinho nem pensar,  etc eterno que todo mundo conhece (né?).

Qualquer coisa que fuja dessa raia de repertórios aprendidos e repassados geracionalmente como “instintos para não ser feito de trouxa” logo nos salta aos olhos e faz com que saiamos repetindo nossas sabedorias em forma de conselhos normativos para nós e para os outros.

Será que, talvez e apenas talvez, não estejamos perdendo de ir lá fora conhecer os buracos de porquinhos da índia, campos de vagalume ou águas límpidas do rio? Será que estamos tão iludidos tentando controlar o incontrolável que estamos abrindo mão de viver o “vivível”? Será que nos damos conta de que estamos nos iludindo porque sim, de fato, não controlamos nada independente de quantas regras sigamos e do quanto sejamos bons em coloca-las em prática?


Não vou dizer que não foi difícil pro Arlo ir lá fora e desbravar, mas certamente ele se tornou um dinossauro muito mais maduro e preparado para a vida real – e ainda se divertiu durante o processo. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cheiro de sabonete


Eu saio do banho com cheiro do seu sabonete e adoro essa sensação. Na frente do prédio tem uma fila enorme para entrar na discoteca do outro lado da rua e eu me vejo bisbilhotando aquelas interações pela janela – como aquelas pessoas se encontram, hein? Seu sabonete é tão cheiroso e a gente tá tão protegido aqui dentro que lá fora todo mundo parece sujo.

Olho pra você sentado na poltrona, meio aturdida com a insignificância do que se diz para seduzir alguém, e você sorri pra mim e estende a mão e me diz: “se acalma mulher, essa sua vontade de entender ainda vai te tirar o norte’”. E eu tenho vontade de responder que se você deixar eu me afogar em você eu não vou querer entender mais nada, que se você for meu sabonete e me deixar tão limpa das minhas impurezas e incertezas eu não dou a mínima para mais nada mas eu só sorrio de volta – você me conhece.

E você começa a falar dos seus problemas e eu não consigo me concentrar. Como é que alguém tão lindo pode ser tão doído? Você descarta a minha utopia de beleza como curativo. Ninguém é mais bonito do que você. E eu sei que você só conversa esses problemas comigo, e eu sei de tanta coisa e eu tenho raiva dessa coisa de ser amiga, de ser só amiga. De saber que é pra mim que você liga de madrugada quando seu encontro foi ruim, é a minha correção que você quer nos seus relatórios do trabalho, é comigo que você vai comer no boteco fim-de-carreira [porque eu sou a mulher maravilhosa que você não precisa impressionar] mas não é comigo que você vai pra cama e nem é pra mim que você manda flores. E aí, quando você para de falar dos seus problemas e me pergunta se eu entendi, e eu estava tão distante, sorrio e beijo a sua mão.

"- Vai ficar tudo bem?" Você me pergunta, e eu juro que eu queria dizer que sim, que se você deixasse ficava era tudo ótimo, que eu sei qual é a sua comida favorita e o carinho que você gosta quando tá cansado de tanto trabalho... Daria tudo certo se você deixasse a gente dar certo. Acabo dizendo que vai dar certo com ela, a fulana da rodada ou com qualquer uma, de qualquer jeito, mesmo que elas não te mereçam, não saibam rir das suas piadas sem graça, não saibam entender que você sempre abre demais a boca pra falar e pra dar risada porque no fundo, bem no fundo, você quer conquistar o mundo, engolir o mundo, viver o mundo inteiro pra já ou que elas não tenham paciência de ver um jogo de futebol com você e discutir impedimentos enquanto fazem planilhas que tem que entregar na segunda...eu digo a você que as coisas vão dar certo, e não digo mais nada. E me despeço e vou embora.

 Vou embora porque tô limpa, porque tenho medo, como posso ser são sua se nunca fui de fato sua? Não sei o gosto do seu beijo, mas sei que o sapato que eu uso é pra você, que a cor do meu esmalte é pra você, que a minha comida japonesa é só pra ver você sorrir do meu desajeito com os hashis... Eu sou tão sua e tenho tanto medo de te perder, e você nunca foi nada meu, nada além do meu melhor amigo, do cara que sabe até quantos caras eu já beijei nessa vida.
Eu vou embora com meu cheiro do seu sabonete. Eu vou embora tão limpa que não posso ir em nenhuma boate me esbaldar pra te esquecer, pra me sujar, pra ver se assim eu posso não te pertencer...

Vou pra casa ver televisão. Fazer cálculos estatísticos. Comer algo saudável. Tomar vergonha na cara. Sei lá. Eu vou fazer qualquer coisa que me mantenha longe de você.. e aí me lembro que você mora aqui dentro.


Me dei por vencida. Tô na fila suja da boate. Amanhã, será que você pode me emprestar de novo o sabonete?