Justo a mim, tão avessa a manuais
de instruções, tão descrente de guias em formato de passo a passo, veio o
pedido: por favor, me ajuda, escreve sobre como esquecer alguém. Não julgo,
pois não posso, já escutei Vanessa da Matta perguntar “como pode ser gostar de
alguém e esse tal alguém não ser seu?” vezes demais e certamente já tive tanta dor de
cotovelo que é praticamente um milagre da biologia que os dois continuem aqui firmes
e fortes. Não sei se eu já assumi isso assim para o mundo, mas a voz da minha
consciência é a própria voz da Bridget Jones de pijama choramingando com “all
by myself” de fundo. Com minha vontade de agradar (e meu receio de que
não me sugiram mais temas!) eis aqui o melhor que posso oferecer então: o
anti-texto, o anti-manual, a anti-resposta sobre a dificuldade da despedida,
porque mesmo depois de tantas ainda não acredito – ou não vejo vantagem – em tentar
apressar o ciclo da coisa.
Gosto muito de uma metáfora da
Márcia Baja sobre sermos jardim. Jardim é coisa bonita de se olhar, mas só quem
cultiva um sabe o trabalho que dá. Quem se dedica a jardins sabe que tudo é
transitório, desde a beleza das flores a aspereza dos espinhos. Tudo nasce e
tudo morre e o jardim continua sendo jardim. Jardinagem exige mão na massa
senão o ciclo da natureza sobressai ao estilo do jardineiro, igualzinho ao que
a nossa mente faz com a gente. Acabamos de aparar a grama e já nasce uma erva
daninha. Acabamos de jurar que não queremos saber como fulano está e ops, vamos
parar no seu perfil do facebook. O que é
afinal esse tal de “ser jardim”?
Se sou jardim, tenho cá minhas belezas e atrativos e
vira e mexe algum beija flor, borboleta, abelha, bem te vi ou joaninha aparece
para passear, encantado talvez com as cores, com os perfumes, com os sabores ou
com a própria vida que exala do tudo que é cultivado. O caso é que o jardim é
fixo e a presença dos bichinhos é temporária. Não dá pra exigir que qualquer um
deles queira ficar mais um pouco. Como foi livre para chegar, há de ser livre
para ir e conhecer outros tantos jardins quanto lhe for conveniente. Aqui
alguns de nós se rendem a ilusão de controle: não, não, se eu agora plantar uma
hortênsia ali ele vai se interessar por ficar um pouco mais para conhece-la.
Pode até ser que funcione, mas você vai mesmo aguentar viver no medo do
abandono e no esforço de evita-lo? Não sei, acho que só é bonito quando
o outro fica por querer ficar. Mesmo que ele vá embora e só aí perceba que
sente falta de algum elemento do jardim e por isso volte – não depende de nada
que a gente possa fazer, só dos livres desejos do outro, mesmo. (sim, também sou descrente de manuais de conquista.)
Não adianta forçar a barra, no máximo é tocar o Raça
negra e segurar essa barra que é gostar de alguém. É ficar meio borocoxô,
talvez até mais sem graça que a top model magrela da passarela ou mais
solitário que um paulistano, mas continuar com a mão na massa da jardinagem
porque o quê mais se há de fazer afinal? Sou contra fingir que não
sentimos o que sentimos para parecer mais fortes, descolados, desapegados ou
qualquer coisa que o valha. É como a Mística, do X men, querendo usar sua força
integralmente, mas precisando desloca-la para manter a aparência da Jennifer
Lawrence. Desperdício de energia que poderia estar sendo aplicada em qualquer outra coisa. Tem que sentir. Sentir dá sentido. Tamponar só atrasa aprendizados e
amadurecimentos.
Do lado de cá, pessoalmente falando, mais do que o
esforço pra esquecer postumamente eu tenho é dirigido as energias para viver de
verdade enquanto estou ali, sem me importar se o outro acha que isso é um sinal
de que quero algo mais sério, de que gosto demais ou que eu deveria estar
jogando os joguinhos. Eu quero a certeza de vida no meu jardim e se tem uma
pessoa ali inteira, disponível a ser conhecida, eu realmente quero dedicar meu
tempo e energia para conhecê-la, no tempo que eu tiver disponível, pois é necessário
saber que é como diz Hazel, de A culpa é das estrelas, alguns infinitos são
maiores que outros.
Os visitantes de jardim vem e vão – sim, sabemos que a
vida é dada a pragmatismos, por mais românticos que sejamos querendo a visita daquele
bichinho específico, porque algo nele nos tocou – e o jardim fica. A gente
acorda com olheiras e o sol continua brilhando lá fora. A gente pensa na pessoa
e continua tendo que bater o ponto no horário determinado. A gente desabafa com
alguém de confiança ou pede a uma amiga para escrever sobre isso e continua fazendo
planos para o fim de semana.
Como esquecer eu não sei, talvez eu acredite mesmo no
clichê do conselho de mãe, de que seja coisa do tempo passar . Até porque, pós
Brilho Eterno de uma Mente sem lembranças, acho que esquecer pode ser de uma
crueldade ou de uma burrice das grandes. Enquanto se lembra só não deixe o jardim
morrer. Vá ocupando a mente com ele. Não se prive da sua própria beleza. Vá
olhando pedra e vendo pedra mesmo. Até o dia em que você consiga olhar e ver,
de novo, poesia.