sábado, 26 de dezembro de 2015

Quem consome quem?


Quando eu era adolescente era comum que houvesse uma discussão sobre quem, na hora h, "comia" quem - o usual era dizer que o homem "comia" mas havia uma outra corrente que defendia que ao comer a boca é quem se abre, tal qual acontece com o corpo feminino.

Lembrei imediatamente disso ao ver aquele cara sentado dentro de seu carro conversível tomando uma cerveja em frente ao bar. Provavelmente ele estava se achando o cara naquele carro, se achando o inã de mulheres, acreditando que o carro mostrava o que ele possuía e sobre como isso podia atrair a massa feminina e lhe conceder o poder da escolha - entre todas as interessadas, quem teria a honra de sentar no seu banco do carona!

Eu contudo questionava a boca que se abria ao engolir: quantas das candidatas a sentar naquele banco para se exibir na frente do bar só queriam consumir o status que aquele cara ostentava? Será que ele já tinha pensado sobre o quanto era tão consumível e consumido como produto quanto as garotas que ele consumia ou isso era coisa da minha cabeça pós chopps?

Na minha cebaça eu via a cena: só faltava o leitor de cósigo de barras no caixa. A questão é que essa transação envolvia apenas preços e nenhum valor. Um drink por um papo, um jantar no Soho por um beijo, uma viagem incrível por uma noite juntos. Há quem venda, há quem compre e há quem comprando venda e vendendo compre.

Me pergunto: quando a etiqueta de preço vem com valor agregado ao invés do valor real deixa de poder ser considerado prostituição? Quando Padre Fábio (esse lindo) fala do amor ao inútil, como sair da teia capitalista que sustenta (literalmente) as relações? O "esperto" é quem acha que vende ou quem acha que compra? Alguém de fato é?

Conheço algumas pessoas que tem muito dinheiro e sei que ao menos uma dessas pessoas acabou "optando" pelo caminho da "transparência" na sua balança comercial: só paga em cash pelo que quer consumir. Dá pra julgar? Eu entendo a desconfiança: como saber exatamente o que o outro vê e querde nós? Acredito que a maioria em algum momento já se perguntou se havia interesse real na gente ou se ali estavamos para suprir alguma demanda ou carência de um sábado a noite. Imagine a insegurança (de quem reflete) de acrescentar o elemento conta bancária a essa equação...

Final de ano é a época em que a gente costuma colocar coisas na balança. Sentimentos, comportamentos, projetos, finanças. O que eu desejo pra esse 2016 é que a gente viva momentos de valor com pessoas de valor que nos queiram perto pelo que somos e isso eu sei: não tem preço.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Por trás desses óculos quadrados eu sinto tanto



Oi.

Eu sei que é tarde e você já deve estar dormindo, mas hoje eu me senti intimidante de novo e tão sozinha que eu não soube o que fazer. Eu sei que eu pareço séria com meus óculos quadrados e com as minhas calças compridas e que você vai dizer que essa minha cara de intelectual é que faz com que as pessoas não saibam o que me dizer, mas você sabe que eu tenho medo é de que todo mundo descubra que eu sou essa moleca apavorada com a ideia que os pais não estejam no portão da escola na hora da saída.

Eu insisto em fazer as coisas tão devagarinho em um mundo que roda depressa demais. Eu não tenho pressa ao escutar uma história. Eu não tenho medo de amar pessoas que moram longe. Eu olho nos olhos. E choro assistindo filme – não só filme de amor, mas principalmente filme de vida real em que criança é abandonada sem proteção e a violência escancara seu domínio e me faz sentir o quanto eu sou pequena diante de tudo isso. Ser tão pequena diante de todas as injustiças do mundo, de todos os sofrimentos, de cada abandono, dói muito. E eu fico muito séria quando penso nessas coisas, mesmo se eu não estiver usando os óculos.

Hoje eu quase acreditei em Papai Noel de tão cansada de não acreditar nas pessoas. Eu quase acreditei em Papai Noel porque existe essa tradição que diz que se eu me comportar vou achar presentes embaixo da árvore no dia vinte e cinco. E eu não ando esperando nada, sabe?

Quando eu pedi pra tirar uma foto com ele – sim, eu pedi – Papai Noel me disse que ouvisse minha criança interior e eu apenas sorri enquanto não dizia a ele que minha criança interior é muito mimada e se acha digna de receber cafuné só por estar resfriada, por exemplo. Como se as pessoas existissem para ter utilidades que supram nossas demandas – tem coisa mais capitalista que localizar demanda e suprir? Relações baseadas em necessidades. Praticamente um drive thru: Por favor, um namorado para cafuné na gripe. Um que leve o carro para o conserto. E de sobremesa um que goste de conversar comigo e sinta minha falta quando eu não der sinal de vida. E ainda me sinto autorizada a sair por aí esbravejando o quanto tudo isso é difícil de conseguir e a vida injusta. Que vergonha de mim mesma.

Difícil é querer o outro na inutilidade. Por isso eu saí e consertei o carro. Por isso eu fui ao aniversário daquela amiga entre uma tosse e outra e ainda não sarei da gripe. Por isso eu não te mandei uma mensagem falando que eu só queria o seu carinho. Pra tentar não me sarar dessa seriedade. Pra não virar transformer. É, transformer. Aquele metade robô metade carro do filme. Acho ele o cúmulo do utilitário. Ou ele tá te salvando de encrencas alienígenas ou tá simplesmente promovendo um passeio com uma gata. E aquela armadura de forte hein? Eu tenho medo de virar transformer. De ser apenas útil. E de ser tão dura a ponto de nunca mais chorar. De querer ser tão independente que acabe sendo mesmo. Por isso ontem eu pedi uma carona.

Talvez eu ande ouvindo as músicas erradas, mas eu só queria que você bebesse e me ligasse. Eu só queria que você pensasse em mim quando toca aquela música que você me mandou. Ou que me achasse suficientemente irresistível pra vir me ver e me roubar um beijo. Utilidades de novo, tá vendo? Olha pra mim, escrevendo o roteiro e querendo que você se encaixe no personagem que eu mesma criei. Não sei se é excesso de hollywood, de Disney ou de “controladorismo” da minha parte. Desculpa.

Tem coisas que não podem ser cobradas, contudo se não forem genuinamente recíprocas são apenas veneno antimonotonia. E eu preciso de uma dose de monotonia pra não ser Transformer. Eu preciso de uma dose de monotonia para enxergar que não importa quanto eu encha o meu tempo e a minha cabeça eu gosto de você, mas me disseram que você não pode suspeitar então eu sigo enchendo tudo pra não te encher o saco.


Eu não devia ter bebido tanto. Eu só queria dizer boas festas. Pode esquecer todo o resto.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

"Hoje eu tô terrível"


Essa semana o cantor sertanejo Lucas Lucco fez uma declaração em seu instagram justificando sua ausência em um show ao explicar que tem se sentido triste e que está tomando remédios para dormir, se manter calmo, etc. Algumas pessoas da minha timeline compartilharam a notícia com pesar e surpresa. O que me surpreende é que mais pessoas não cheguem ao ponto que Lucas chegou. Claro que ele se encontra em um extremo já que sua agenda de trabalho envolve diversas e constantes viagens, mas será que ele está assim tão distante da realidade da maioria de nós?

Nosso zeitgest valoriza e valida dois discursos por muitas vezes incompatíveis. O capitalismo justifica nossa constante “falta de tempo”. Pense bem, quando foi a última vez que você disse que estava ocupado demais ou que estava muito corrido para justificar alguma ausência? Precisamos ser produtivos, estar ocupados nos insere no “mundo adulto” e quanto mais ocupados mais descolados nos tornamos e mais importantes e dignos de credibilidade e respeito na ótica do outro. Não estou entrando no mérito do valor subjetivo do trabalho, não estou negando a importância de seu valor constitutivo ou a necessidade de sustento. Estou apenas sinalizando que como nossa cultura valoriza um discurso do excesso se não nos mantivermos atentos podemos compra-lo e torna-lo objeto de nosso gozo, algumas vezes só mais tarde percebendo que há dor no gozar também... Ao estar excessivamente no trabalho, estamos limitadamente aonde? Se toda nossa energia é dedicada a um estímulo, o que entregamos aos outros? O que temos oferecido de tempo, entrega ou presença as outras searas de nossa vida, como família, amigos, lazer, romance? Lucas ganha rios de dinheiro, diz gostar de cantar e de atuar e sente saudade de suas avós – porque uma necessidade não pode suprir outra, porque somos complexos e desejantes de forma múltipla. Esse cara pode ter milhares de fãs gritando seu nome e ainda assim saber o quanto está sozinho. Lúcido.

Por outro lado nossa sociedade vende e compra a ideia de dar visibilidade a nossos prazeres, coisa que as redes sociais facilitaram enormemente. Quem nunca abriu a página de alguém e sentiu inveja da foto na praia, da festa ou da boa companhia? O que o relato de Lucas nos lembra é que há sempre muito mais por detrás do recorte da foto – só vemos partes, não alcançamos o todo. Ele canta sobre curtir, beber, beijar, dançar e exibir tudo isso em festas de grandes proporções enquanto nos confessa que em seu dia a dia se sente triste e não consegue dormir. Entendo que a dicotomia das letras de suas músicas em contraponto ao seu discurso no instagram nos surpreenda, mas pensemos além: somos todos tão felizes quanto queremos crer e vender? Até quem vende essa falácia foi acometido de doses de realidade. Quem sorri na foto da praia não tem problemas no trabalho? Não é possível que estejamos na festa bebendo, mas com o pensamento lá em alguém que dói? Deve ser, afinal essa é também premissa de muitas canções sertanejas de sucesso. Nossas escolhas impõem seus preços.

Vivendo nesse contexto de excessos que nos exige produzir e consumir constantemente (não só produtos mas também momentos e pessoas) encontraremos nas prateleiras verdadeiros manuais sobre como encarar a solidão, superar a saudade, lidar com os problemas ou toda sorte de acontecimento. E todos irão falhar em suas propostas. Não há mapa para o sofrimento. Não há paradeiro para o desejo. Não existe receita para a felicidade. Tentar achar algo que fique em tempos que tudo se esvai (inclusive o cantor sertanejo de mais sucesso na rodada) pode ser um caminho, nem que seja que a gente se fique, principalmente no nosso tempo. É como desabafa o Lucas quando diz que tem um ano que não vê a avó e sabe que ela não vai estar aqui para sempre e que isso sempre martela em sua cabeça – mas somos tão empurrados pelo fluxo que muitas vezes as coisas ficam só na teoria - ou não sabemos que podemos estar economizando vida para um futuro que não nos chegará?

Algumas coisas talvez ajudem a clarear nossa mente por permitir que entremos em contato com a gente mesmo – no mais viver é dançar no escuro e tentar aproveitar a música ainda assim. Não tem jeito, tem dias que a gente tá terrível mesmo, Lucas.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Os contos proibidos do Marquês de Sade


Arnaldo Antunes e Marisa Monte começam a canção "Paradeiro" com a seguinte pergunta: “Haverá paradeiro para o nosso desejo dentro ou fora de nós?”. Assistindo “Os contos proibidos do Marquês de Sade”, de Philip Kaufman, foi impossível não ficar com essa frase na cabeça quase que o tempo todo. O marquês se mostrava uma bomba de desejo prestes a explodir a qualquer momento: onde aquele desejo iria parar? Haveria paradeiro, ou sentido, dentro ou fora dele? O filme é um tratado sobre ética, poder e obsessões.

Em primeira vista o Marquês se apresenta como alguém que tinha um objeto fixo de desejo: o sexo e todos os seus desdobramentos, todas as suas possibilidades, toda a sua oferta de gozos possíveis e intermináveis sem nenhuma culpa moralizante ou moralista, muito pelo contrário, quanto mais perversa (perversão: saber que existe uma regra que se aplica a todos e julgar que a você ela não é aplicável – observem a crise política atual, será que não estamos em um recorte social perverso?) fosse a proposta, maior era a recompensa do gozo – gozando duplamente, primeiro no ato de infringir os costumes já estabelecidos e depois no gozo em si, na descrição sexual que ele constrói em forma de narrativa a partir de se discurso de escritor.

O marquês se apresentou como um hedonista: cego em seu próprio desejo de prazer, só lhe interessava o que pudesse lhe oferecer satisfação e a sua vida girava em torno da busca pelo gozo e assim sendo, as necessidades do outro ficavam sempre inacessíveis para ele, com sua apatia pela empatia. Em primeira instância o Marquês parecia ser somente um compulsivo sexual que gostava de exibir sua criatividade para a perversão, chocando ao ignorar os princípios regentes e fazendo sucesso entre os leitores por servir de espelho para a perversão reprimida de cada um, num acordo de transferências digno de análise ou, sendo o portador do sintoma de uma sociedade histérica. “Haverá paraíso sem perder o juízo?”, prossegue perguntando Arnaldo Antunes em minha mente.

Contudo depois de algumas peripécias inconsequentes nas quais o Marquês pretende afrontar diretamente o alienista do manicômio - que embora já seja um senhor de idade, casa-se com uma jovem de dezesseis anos até então criada por freiras – seu maior objetivo é mostrar que por trás da “roupa moralista” que os homens usam socialmente – inclusive os que se auto intitulam bons homens - eles estão tão sujeitos (enquanto a-sujeitados) a seus desejos e perversões sexuais, quanto o próprio Marquês, que se difere apenas pela coragem de assumir e se tornar porta voz do seu desejo. Como punição pelo afronte o Marquês tem todas as suas penas, tintas e folhas de papel tomadas pelo abade que toma conta do manicômio. O que se sucede é um desdobramento interessante para a história. Ele então começa a sofrer bastante com a ausência da possibilidade de escrever e entra numa violenta “crise de abstinência”. A partir daqui, ele se transforma e nosso olhar sobre ele, para não se banalizar, precisa se transformar também senão ficaremos presos no raso da “primeira impressão” pois há sempre algo que escapa e nunca captamos, mas há também sempre camadas que são desveladas com o aprofundar do nosso olhar e conhecimento da causa.

Sade vai fazer de tudo para que não calem a sua pena (voz, discurso): escrever com vinho, num lençol branco e até mesmo escrever com sangue numa parede branca quando nada mais de sua dignidade sobrar. O Marquês vai abrir mão de tudo: luxos, dignidade, uma vida indolor e até mesmo da própria vida, lutando pelo direito de viver seus desejos – o único jeito de vida possível para ele. Dizem que quem escreve deseja tornar-se imortal (como os escritores da Academia Brasileira de Letras, por exemplo, que ao receberem uma cadeira, tornam-se “imortais”), assim como dizem psicanaliticamente que o gozo sexual é uma forma de manter-se vivo em resposta a pulsão de morte, além de serem a possibilidade de geração de filhos que são a nossa continuidade no mundo, nossa possibilidade de imortalidade. Me pergunto: o que ele queria era uma vida notória ou uma vida imortal? Ambas?

“Haverá paradeiro para o nosso desejo dentro ou fora de um vício?” Sade provavelmente responderia não a essa questão, tal qual Cazuza. Os dois passaram a vida correndo contra o tempo para exaurir a maior quantidade de prazer possível antes que a fonte secasse, os dois preferiam viver poucos anos a mil do que mil anos do que eles julgavam pouco. E muito ainda era pouco para eles. Foram levados pela vida que levaram. Mas qual é exatamente o objeto de gozo do Marquês: o sexo, a infração ou a escrita? Penso numa tríade impossível de ser dissociada, alimentando-se de forma complementar – talvez se vivo nos nossos tempos em que tudo é permitido e inclusive estimulado, ele fosse mais um que chegasse ao psicólogo pois não consegue gozar.

O mesmo homem que por uns era visto como compulsivo sexual, era visto por outros como um infrator da moral e por outros ainda como um escritor apaixonado. Certamente havia ainda mais homens dentro desse homem, certamente se ele não tivesse vivido em tempos repressores e tempos em que a loucura era tratada com choques, pancadas e “afogadinhas” pudéssemos construir outro perfil dele, perceber outras facetas por detrás dos vícios (já nos lembra Lacan, retomando a psicanálise “você É o seu sintoma”). Fato é que, ele foi até o seu fim regido pelo seu desejo (constitutivo) de engolir o mundo num gole sem fim ou de nunca conhecer o dissabor de pisar no pedal do freio durante a corrida. Morreu desejando a vida. Morreu desejando. Foi sujeito de suas escolhas e pagou o preço cobrado por elas. Quantos de nós podemos dizer que fazemos isso?

“Haverá paraíso sem morrer?”



domingo, 6 de dezembro de 2015

Crush way of life (Ou sobre padres e covardias)


Aderi rapidamente a moda de “crushar”. Escolhi o padre Fábio de Melo para ser meu muso inspirador afinal ele preenchia as cotas como poucos: fala e escreve bem, é divertidíssimo (de um jeito muitas vezes bobo, que só quem sabe rir de si mesmo se atreve a ser), sensível e ainda é barbudo. Acho que totalmente sem querer ao escolher meu crush eu captei a essência do conceito: é feito para nunca se realizar exceto em nossas mentes.

Quando eu tinha quatorze anos havia no colégio esse menino que era popular e cujos cabelos caíam nos olhos obrigando-o a charmosamente assopra-los para longe. Nunca tivemos nada, pois com os meninos populares meu papo e meu humor não surtiam efeito algum – adolescentes que éramos só interessavam as meninas mais bonitas e tão populares quanto eles. Eu andava por aí pensando em como seria se ele fosse meu namoradinho, imaginando cenas em que a gente efetivamente ficava junto e trocava beijos ou palavras românticas.

Seria o crush então o novo amor platônico com um nome mais moderninho? Não sei. Eu sempre tentei trazer meus amores platônicos para a vida real (e em alguns casos efetivamente consegui) enquanto que a maior parte das postagens de crush me dá a ideia de que não precisa se concretizar – tipo eu e o meu Padre Fábio.

Posso estar fazendo uma leitura errônea do fenômeno, mas essa apatia de tornar real me faz questionar: se aquela pessoa é tão incrível porque é melhor nos relacionarmos apenas em nossas mentes? Fácil! Em minha mente eu controlo nossas interações, seu senso de humor, suas reações e as coisas que você faz e diz! Na vida real você seria uma pessoa concreta com seus próprios sentimentos, momentos de chatice, cobranças, exigências, defeitos, que me faria negociar constantemente entre meus desejos tão discrepantes de liberdade e de amor. Em um relacionamento de verdade teríamos brigas, eu faria concessões, eu vivencia momentos de lágrimas, dúvidas e também de raiva. Pra uma geração tão egoísta quanto a nossa, relacionamentos inventados parecem ser a resposta ideal – preenchem o ímpeto de querer alguém sem no desviar do caminho de nossas rotinas apressadas e preenchidas de urgências e prioridades das quais não podemos (será?) nos desviar e ainda podemos bradar que estamos sozinhos não por falta de disponibilidade nossa mas sim de interesse da parte de quem crushamos.

Com vinte e sete anos e recém-solteira eu esperava mais maturidade e disposição das pessoas da minha idade, mas de maneira geral achei colherinhas tão rasas quanto as de chá, com toda sorte de organização e pretensão de controle sobre os fenômenos da existência. Talvez por isso eu tenha promovido o padre a ser meu crush, permitindo que eu me inserisse duplamente na lógica da minha geração: me afastando das chances de me relacionar com pessoas de verdade e suas consequências e me possibilitando ter controle sobre as minhas emoções e seus impactos no meu cotidiano de maneira escancarada.

No fim é como diz o personagem de Hemingway no filme “Meia noite em Paris” de Woody Allen, numa tradução livre: “toda covardia vem de não amar ou não amar bem, que são no fundo a mesma coisa”. Talvez o crush seja o refúgio da humanidade da qual não conseguimos nos desvencilhar que encontramos para a covardia relacional que impera em nosso tempo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Sobre a mulher que você vai perder ou que já perdeu


Caro amigo,

Você não vai mais a ouvir reclamar da lâmpada que você ainda não trocou. Também não vai chegar em casa e achar a lâmpada trocada por quem cansou de pedir e esperar. Ela não vai mais se queixar da roupa que você escolheu ou te olhar torto quando você dirigir de forma imprudente. Você vai poder beber a quantidade que quiser sem precisar prestar conta, organizar seu intercâmbio tão desejado, se dedicar ao seu trabalho, passar o final de semana no videogame, no baba ou no churrasco dos amigos sem precisar dividir seu tempo. Não vai mais precisar explicar quem é aquela loira gostosa na festa de aniversário do colega de trabalho, aturar o quanto ela reclama quando está na tpm, gastar dinheiro com presentes ou doces para ela ou explicar que hoje você não está com vontade de sair, viajar ou transar porque está muito cansado. Nada de queixas sobre você estar muito ocupado ou distante. Parece bom, né?

Talvez no meio do alívio das liberdades você se lembre daqueles olhos vivos, brilhantes, que sempre tiveram a ousadia de olhar no fundo dos seus antes de te desafiar ou sacanear. Quem sabe aquele sorriso de canto de boca de quando ela tem plena consciência de que foi maliciosa e que você achava um charme comece a fazer falta em algumas situações cotidianas. É possível que você sinta falta de sentir ciúme dos olhares masculinos vidrados no decote dela – e enfim se lembre de que era um decote mesmo irresistível e de quantas vezes você mesmo se viu com o pensamento perdido ali. Eventualmente você vai sentir falta daquele beijo arrebatador, suave e lascivo, com o qual ela te provocava.

Depois, quando você voltar ao mundo da caça, pode ser que sinta uma baita falta da simplicidade dela – de como ela sabia conversar sobre qualquer assunto, de como sentava de shortinho no chão, de como ela sabia rir – de você, dela mesma, das mazelas da vida – e de como era charmosa sendo irônica ou falando palavrão. Provavelmente é aqui, ao se deparar com outras mulheres, que você vai sentir falta do jeito que ela te apoiava nas suas empreitadas, da forma como ela sempre te escutava ou raramente te pressionava, da independência com a qual ela tocava a própria vida.

Certamente você vai descobrir que uma mulher cuja prioridade não seja o carro que você tem ou quanto dinheiro você tem na conta, que possua disponibilidade para acompanhar seus pais ao médico quando você não pode, que fique ao seu lado quando você está doente ou que não queira controlar seus passos, é item raro nesse universo de encontros rasos, pessoas voltadas para a satisfação das necessidades do próprio umbigo, assuntos triviais, jogos indiretos e medo de ser tocado.

Mulheres como ela são raras e por isso costumam ser disputadas - acredite em mim, sempre tem alguém que já percebeu o quanto ela é especial. Mais dia menos dia você vai vê-la de mãos dadas com outro cara, tão charmosa e sorridente quanto sempre. E talvez você se lembre dos versos de “O sol acima do sol” do Skank: “Tão fácil perceber / Que a sorte escolheu você / E você cego, nem nota / (...) / Você gastou sua cota.”

Pense sobre isso - se você der a sorte de achar outra dessas mulheres, quem sabe não já aprendeu a sorrir de volta antes de gastar sua cota?!

Com carinho,

Juliana

04/12/2015