sábado, 26 de abril de 2014

Sobre cair e levantar

Meu afilhado mais novo, Daniel, está com quase 11 meses e ensaia seus primeiros passinhos. Vez ou outra os pés gorduxos ainda o traem e ele vai ao chão. Assustado com a queda, em meio ao choro ele procura a mãe com os olhos e raços e balbucia "mãmãmãmã". Prontamente minha comadre o conforta em seus braços e explica que toda vez que ele cair ele precisará levantar e andar de novo.
Essa semana eu caí. E tive que levantar bem mais rápifo do que achei que as pernas sustentariam. No meio do meu choro devo ter balbuciado o "mãmãmãmã" de Dan, pois na hora do aperto queremos logo o chamego seguro e eterno, mas a minha "mãmãmã" original no momento mora longe, e me acolhe com amor, mas sem poder diretamente me dar a mão após cada queda. Ainda bem que eu tive outras mãos, outros braços e colos e ouvidos e pernas que me colocaram de pé de novo. Muitas dessas mãos foram de pessoas que a minha "mãmãmã" catiou e me empresta. Muitos desse braços eram extensão dos braços do meu "papapa". E os acalentos got multiplicando-se tão carinhosamente que minhas pernas andaram e sabiam que se tropeçassem tinham base estável para tatear. E assim essas pernas esperarão mais tranquilas a chance de cambalearem para dentro dos braços quentinhos e seguros de "papapa" e "mãmãmã".
E assim eu e Daniel vamos aprendendo juntos a levantar depois de cair. Mesmo que a gente ainda esteja enxugando as lágrimas enquanto levanta.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Vaidades

Gosto quando falam das minhas covinhas. Gosto quando falam da minha pele ou do meu cabelo. Claro que gosto quanp me acham engraçada, articulada, forte, leal. Mas o maior elogio que podem me fazer é quando falam da minha energia - claro que como com tudo o mais ao meu redor, eu gosto de tentar controlar a qualidade e a quantidade de energia que eu deixo fluir de mim para os outros - não sei cono é para vocês mas eu tenho pavor de ser a pessoa que pesa o clima - e fico realmente muito feliz quando alguém me diz que simplesmente sente algo bom estando ao meu lado, que dá vontade de ficar sempre perto de mim. Modestamente, meu elogio preferido refere-se a minha "característica" menos controlável.
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Quanto aos defeitos, eu detesto ter defeitos, por nada mais nada menos do que um ego mimado que não gosta de ser chamado atenção e de ser submetido a um superego ditador que tenta colocá-lo no eixo a qualquer custo.
Acho engraçado ser desastrada, acho tolerável ser distraída, acho um saco ter tanta dificuldade em dizer não, detesto ser tão cabeça-dura a ponto de ser dona da verdade as vezes (e eu detesto donos da verdade, que acabam não sendo donos de ninguém, a não ser da própria solidão). Nem sempre é facil admitir e administrar defeitos mas pelo menos há uma identificação de que os possuímos.
O mais irônico é que a melhor qualidade que podem nos atribuir é a que não podemos controlar e dentre os piores defeitos o pior de ser acusado vai ser sempre o que for feito de maneira injusta - o pior defeito é o que não possuímos.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Encontros

Dia 1
"Huumm, esse não, muito menininha, ele vai pensar que eu sou ingênua demais, inexperiente, talvez até boba...". Puxa as mangas, tira o vestido pela cabeça, despenteando-se, joga-o na cama. Lembra-se do vestido preto, de alças finas, que comprou justamente para a ocasião e que ao longo da semana, longe das luzes do provador da loja, mostrou-se menos gracioso do que outrora, mais sexy do que o desejado. "Credo! Parece que eu tô me oferecendo em uma bandeja, só falta a maçã na boca! Não, não, não é isso, ainda não é isso..." Abre a porta do armário, analisa o conteúdo do seu interior, novamente. Passa a mão entre os cabides. Muxoxo. Morde o lábio. "Ai, que droga". Opta pelo básico, pelo seguro, coloca uma calça jeans, uma sapatilha, uma batinha. "Ridículo! Parece que vou tomar um chopp com as minhas amigas. Parece que o encontro não significa nada para mim, parece que ele não vale a arrumação, o investimento, parece que eu saí de algum lugar e fui direto pra lá..."
Começa a puxar as roupas que estão emboladas na cama, dobrando-as sem muito cuidado, com a cabeça longe, talvez tentando resolver a grande equação que envolvia a sua mente: vestir-se para ser quem se é, como é que eu faço isso? Olhou-se no espelho: "quem sou eu, mesmo, por detrás dessas pequenas sardas nas bochechas? por detrás das lentes de contato? da pequena cicatriz na testa? da espinha que teimou em aparecer justo agora bem no meu queixo? Não, não é isso. Eu sou uma porção de coisas. Muitas coisas. Inclusive uma indecisa com as minhas próprias roupas. Mas hoje, especialmente hoje, o que eu quero ser mais?" Colocou a sandália alta, a saia preta, a blusa que ganhou da madrinha no aniversário. Pintou os olhos. Cobriu as sardas. Ajeitou o cabelo. Podia assumir a faceta que melhor lhe conviesse. Quanto antes aceitasse o seu papel de atriz no palco, sempre buscando o melhor ângulo, numa comédia em que insistentemente busca-se o sorriso do público, melhor se sentiria.
No horário combinado encontraram-se. Foi desconfortável esticar-se para dar os dois beijinhos no rosto, sem saber que lado beijar primeiro, sabendo bem onde queria beijar. Andar conversando, meio de lado, preocupadíssima com as coisas que ia dizendo durante a conversa, balanceado para não ser nada em excesso, fez com que praticamente não escutasse, de fato, a fundo, o que ele dizia. Também, pudera, era difícil se concentrar do alto daqueles sapatos. "Onde eu estava com a cabeça quando coloquei esses malditos sapatos? Ah é, no coração..."
Compram pipoca. "E agora, devo me oferecer para pagar? Ai, ele não aceitou! Insisto ou agradeço...?". Compram os ingressos. Sentam nas poltronas. A sala escurece. O filme começa. O cheiro de pipoca predomina. Ele pega na mão dela, meio sem jeito. Sorri. Ela retribui, sem conseguir olhar diretamente para ele. Ele brinca com o cabelo dela. Eles se beijam e ela gosta. Mas não consegue evitar de pensar "nossa, como esse cheiro de pipoca me dá dor de cabeça..."

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Dia 365
Ela chega esbaforida. Ele, que já está lá esperando, sorri e acena. Ela usa um vestidinho branco e seu par favorito de sandálias, sem salto. Beijam-se, ela sorri e limpa a manchinha que seu batom deixou no rosto dele. Ela começa a falar sem parar, como sempre, da quantidade de coisas que aconteceram no escritório, do almoço sem sal da comida a quilo e de que está com as pernas doendo de tanto subir escadas e por isso botou aquela sandália velha, coitada, mas que jeito. Ele sorri, e acha realmente graça. Já sabe que ela odeia salto. Lembra que da última vez que ela usou salto quando saíram para dançar eles quase foram parar em uma emergência ortopédica.Já assistiu, mais de uma vez, a beleza do ritual de libertação dela, ao chegar em casa depois de uma festa inteira em cima do salto, e sair jogando as sandálias pra cima e deixando-as cair de qualquer jeito. E apertar os dedos dos pés, um por um, em uma espécie de massagem e jogar-se na cama com as pernas para cima. Ele a achava muito mais sexy fazendo aquele ritual de libertação do que dançando em cima dos saltos durante a festa mas tudo bem. Ele olha pra ela enquanto ela pede um milk-shake e se dá conta de que adora aquelas sardinhas. E que demorou muito tempo para confirmar que ela tinha sardinhas nas bochechas. Quer dizer, ele achava que tinha se enganado nas primeiras vezes que a viu no curso de inglês, porque durante muito tempo ela parecia não ter nenhuma sardinha... Mas depois que eles dormiram juntos, e ele brincou de procurar desenhos naquelas sardinhas, elas tinham aparecido mais frequentemente. Ela se mostra muito interessada no filme, fala das recomendações que recebeu. Ele sabe que o volume de trabalho dela foi intenso naquela semana e que é possível que ela encoste a cabeça em seu ombro e durma ants do final do filme. Ele sabe que não vai comer pipoca embora viva pirraçando-a dizendo estar com saudades do cheiro de milho estourado. Ela quase cai na entrada do cinema, enquanto distraiu-se com o pôster de um filme. Ele faz uma caretinha. Dentre todos que ele podia vir a conhecer, deleitava-se percebendo as pequenezas cotidianas que agrupadas constituem o verdadeiramente interessar-se confortavelmente por conhecer alguém.