segunda-feira, 4 de julho de 2016

A boa menina



Todos nós temos nossos medos. Alguns de nós optam por ignora-los. Outros por mergulhar neles e compreende-los. Todos, de alguma forma, construímos estratégias para viver com eles. O meu medo é bastante comum, com certeza - embora pouco assumido, como a maioria dos medos que vivemos, ao fingir que não os temos para não parecer deslocados nessa oba-oba de certezas e seguranças que parece ser a vida de todos ao nosso redor. Cuidado, a grama do vizinho às vezes só é mais verde porque é de plástico. Ah, Pessoa e seu poema em linha reta, como falar de medos quando todos parecem falar de conquistas ininterruptamente?

Eu sempre tive medo de não ser suficiente. De não ser suficientemente boa, suficientemente inteligente, suficientemente interessante e o pior: suficientemente digna de ser gostada. Afinal, assim, por conseguinte eu seria sempre substituída e a culpa (ah, mundo ocidental de ideologia cristã, culpa...) seria sempre minha. Sim, não interessava o quanto as pessoas me elogiassem, os pretendentes se multiplicassem, o quanto as notas fossem boas, os feedbacks bacanas,a terapia andasse (ah, eu sei Freud, eu sei, é que saber nunca foi o suficiente, não é?), a sensação permanecia. E quando a gente tem um problema a gente tenta criar uma solução, certo?

No war da vida meu objetivo era evitar ao máximo essa sensação de insuficiência então minha estratégia era ser o mais “gostável” possível, tentando não fazer nada que pudesse afastar as pessoas de mim. Engoli sapos com os mais diversos temperos enquanto tentava ser Gandhi ou Mandela: vi uma colega de trabalho falar mal de mim para outra e fingi que não vi e continuei trabalhando, desculpei – sem ninguém ter me pedido desculpas – vacilos chatíssimos (términos via whatsapp, por exemplo) em nome da paz, da sensação de “não estar brigada”, de manter as portas da boa vizinhança abertas. Tudo para ser deboísta, tudo para ser querida, tudo para tentar ser suficientemente boa.

Um dia eu me toquei de que não estava funcionando. Quanto mais eu era boazinha mais eu era espezinhada. E não pense que era por “grandes gostares”, desses que nos tratam bem e nos estendem carinho, não. Era por qualquer esmola, mesmo. Aí um dia eu cansei. Cansei da dor de estômago dos sapos silenciosamente digeridos com o molho do medo. Desse jeito todo mundo podia gostar de mim – menos eu. Todo mundo podia me achar muito legal, calma, compreensiva – menos eu, que seguia desesperada tentando varrer meus sentimentos pra debaixo dos tapetes enquanto continuava a sorrir sem demonstrar incômodos, a sentir sem me  permitir sentir, me cobrando sempre ser “um ser humano mais evoluído”.

Em alguma pisada de calo mais doída, eu chutei o balde. Falei com todas as letras sobre como eu me sentia. Que alívio! Eu não fiquei tentando justificar as atitudes da pessoa. Eu apenas aceitei que raiva e frustração eram sensações humanas que eu tinha o direito de sentir e sentindo-as de repente eu não fazia questão que aquela pessoa me achasse gostável. Na verdade, o jogo havia virado: eu não sabia se eu achava que aquela pessoa era gostável. E eu não me importei se eu seria a louca, a chata, a sentimental, eu simplesmente falei como eu me sentia. Eu, enfim, estipulei os meus limites.

Uma coisa tão simples e tão pequena que mudou tudo. Eu não sou um pote de nutella ou uma pizza então não vou conseguir agradar todo mundo mesmo que eu tente com todos os meus esforços. Se não vou agradar todo mundo posso economizar toda energia que eu gasto tentando fazê-lo. Posso (e devo!) usar essa energia para me agradar um tiquinho, para me gostar um tiquinho, para me ser suficiente, afinal eu me convivo o tempo todo.


Não pense que eu mudei com você. Não, eu mudei para mim. Chega de engolir tanto sapo. Talvez seja hora da minha dieta ser de pizza e nutella, afinal.

* Ilustração da Tulipa Ruiz

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