segunda-feira, 20 de junho de 2016

Jardim


Justo a mim, tão avessa a manuais de instruções, tão descrente de guias em formato de passo a passo, veio o pedido: por favor, me ajuda, escreve sobre como esquecer alguém. Não julgo, pois não posso, já escutei Vanessa da Matta perguntar “como pode ser gostar de alguém e esse tal alguém não ser seu?” vezes demais e certamente já tive tanta dor de cotovelo que é praticamente um milagre da biologia que os dois continuem aqui firmes e fortes. Não sei se eu já assumi isso assim para o mundo, mas a voz da minha consciência é a própria voz da Bridget Jones de pijama choramingando com “all by myself” de fundo. Com minha vontade de agradar (e meu receio de que não me sugiram mais temas!) eis aqui o melhor que posso oferecer então: o anti-texto, o anti-manual, a anti-resposta sobre a dificuldade da despedida, porque mesmo depois de tantas ainda não acredito – ou não vejo vantagem – em tentar apressar o ciclo da coisa.

Gosto muito de uma metáfora da Márcia Baja sobre sermos jardim. Jardim é coisa bonita de se olhar, mas só quem cultiva um sabe o trabalho que dá. Quem se dedica a jardins sabe que tudo é transitório, desde a beleza das flores a aspereza dos espinhos. Tudo nasce e tudo morre e o jardim continua sendo jardim. Jardinagem exige mão na massa senão o ciclo da natureza sobressai ao estilo do jardineiro, igualzinho ao que a nossa mente faz com a gente. Acabamos de aparar a grama e já nasce uma erva daninha. Acabamos de jurar que não queremos saber como fulano está e ops, vamos parar no seu perfil do facebook.  O que é afinal esse tal de “ser jardim”?

Se sou jardim, tenho cá minhas belezas e atrativos e vira e mexe algum beija flor, borboleta, abelha, bem te vi ou joaninha aparece para passear, encantado talvez com as cores, com os perfumes, com os sabores ou com a própria vida que exala do tudo que é cultivado. O caso é que o jardim é fixo e a presença dos bichinhos é temporária. Não dá pra exigir que qualquer um deles queira ficar mais um pouco. Como foi livre para chegar, há de ser livre para ir e conhecer outros tantos jardins quanto lhe for conveniente. Aqui alguns de nós se rendem a ilusão de controle: não, não, se eu agora plantar uma hortênsia ali ele vai se interessar por ficar um pouco mais para conhece-la. Pode até ser que funcione, mas você vai mesmo aguentar viver no medo do abandono e no esforço de evita-lo? Não sei, acho que só é bonito quando o outro fica por querer ficar. Mesmo que ele vá embora e só aí perceba que sente falta de algum elemento do jardim e por isso volte – não depende de nada que a gente possa fazer, só dos livres desejos do outro, mesmo. (sim, também sou descrente de manuais de conquista.)

Não adianta forçar a barra, no máximo é tocar o Raça negra e segurar essa barra que é gostar de alguém. É ficar meio borocoxô, talvez até mais sem graça que a top model magrela da passarela ou mais solitário que um paulistano, mas continuar com a mão na massa da jardinagem porque o quê mais se há de fazer afinal? Sou contra fingir que não sentimos o que sentimos para parecer mais fortes, descolados, desapegados ou qualquer coisa que o valha. É como a Mística, do X men, querendo usar sua força integralmente, mas precisando desloca-la para manter a aparência da Jennifer Lawrence. Desperdício de energia que poderia estar sendo aplicada em qualquer outra coisa. Tem que sentir. Sentir dá sentido. Tamponar só atrasa aprendizados e amadurecimentos.

Do lado de cá, pessoalmente falando, mais do que o esforço pra esquecer postumamente eu tenho é dirigido as energias para viver de verdade enquanto estou ali, sem me importar se o outro acha que isso é um sinal de que quero algo mais sério, de que gosto demais ou que eu deveria estar jogando os joguinhos. Eu quero a certeza de vida no meu jardim e se tem uma pessoa ali inteira, disponível a ser conhecida, eu realmente quero dedicar meu tempo e energia para conhecê-la, no tempo que eu tiver disponível, pois é necessário saber que é como diz Hazel, de A culpa é das estrelas, alguns infinitos são maiores que outros.

Os visitantes de jardim vem e vão – sim, sabemos que a vida é dada a pragmatismos, por mais românticos que sejamos querendo a visita daquele bichinho específico, porque algo nele nos tocou – e o jardim fica. A gente acorda com olheiras e o sol continua brilhando lá fora. A gente pensa na pessoa e continua tendo que bater o ponto no horário determinado. A gente desabafa com alguém de confiança ou pede a uma amiga para escrever sobre isso e continua fazendo planos para o fim de semana.

Como esquecer eu não sei, talvez eu acredite mesmo no clichê do conselho de mãe, de que seja coisa do tempo passar . Até porque, pós Brilho Eterno de uma Mente sem lembranças, acho que esquecer pode ser de uma crueldade ou de uma burrice das grandes.  Enquanto se lembra só não deixe o jardim morrer. Vá ocupando a mente com ele. Não se prive da sua própria beleza. Vá olhando pedra e vendo pedra mesmo. Até o dia em que você consiga olhar e ver, de novo, poesia.


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