terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Quem a gente quer parecer que é



No filme novo do Peanuts, numa manhã de neve em que a turma toda está se divertindo chega um caminhão de mudança trazendo uma nova criança para a vila: a garotinha ruiva.

Charlie Brown logo fica encantado por ela e desejando merecer seu afeto surge em sua mente  uma questão urgente: ele precisa se apresentar para ela como quem ele de fato é antes que ela conheça toda a turma e seja apresentada a ele através de quem a turma pensa que ele é (até porque sua moral com a turma não anda lá muito alta e dependendo do que a ruivinha ouça falar ele teme que ela não lhe dê a chance de uma segunda olhada).

O pobre Charlie pede conselhos a Lucy (justo a ela!) e sai com um livro que ensina a ser vitorioso. Ele devora os capítulos do livro e tenta coloca-los em prática, mas bom, aquele não é ele. Paradoxo: ele tem tanto medo que a ruiva conheça a fama que o precede não por sua improcedência, mas justamente por acreditar em suas verdades e começa a tentar ser o que a cabeça dele (e a de Lucy) imagina que é o homem que a garota ruiva está procurando.

 Quem nunca? Não é essa a lenda de todo início de encontro amoroso? Batalhamos pela oportunidade de nos apresentarmos como somos, mas na sede de nos sermos sem precedentes quantas vezes acabamos nos desperdiçando ao inventar um alguém inédito que definitivamente não somos na esperança de que ele seja o que o outro procura? Dois mil e dezesseis e seguimos comprando e executando receitas que vem da leitura da nossa mente sobre os fenômenos ao nosso redor.

Tive a chance de escutar duas tias falando da experiência universitária da mesma sobrinha. Para tia X a menina tinha suas dificuldades de aprendizagem e um histórico de não gostar de estudar, porém a universidade poderia ser um novo caminho para que ela descobrisse novos gostos. Para tia Y a menina não tinha nascido para estudar e pronto. Ia ser vagabunda e andaria com vagabundos ainda piores do que ela. Não conheço a jovem em questão, mas sei o peso que a opinião dos outros e as realizações que eles esperam de nós – principalmente dos queridos – tem sobre quem somos. De certa forma sempre caminhamos pela terra dos ecos das profecias sobre nós com certa ansiedade para saber se as cumpriremos ou negaremos. No fim, quem é essa menina de verdade? Apenas algum desses dois relatos? A soma de ambos? Ou um universo muito mais complexo? Não, não esqueço Freud, claro que quando as tias me falam da sobrinha me falam também delas mesmas e de suas relações.


Quem é que a gente é de verdade então? Provavelmente nem a gente sabe. Somos pouco educados a olhar pra nós e buscarmos nos entender.  Talvez a gente saiba quem a gente é agora, mas se veja sendo outra coisa daqui a pouco. Talvez a gente nunca seja e sim sempre vá sendo. E se a gente permitir a gente vai se surpreender muito com as coisas que somos capazes de ser porque todo encontro vai nos reinventar e cada pessoa vai despertar em nós a vontade de sermos muitas coisas e, se não nos cerceamos, as seremos. Todo mundo pode fazer o olho de alguém brilhar. Não é mesmo, Charlie Brown? Que puxa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário