No filme novo do Peanuts, numa manhã de neve em que a turma
toda está se divertindo chega um caminhão de mudança trazendo uma nova criança
para a vila: a garotinha ruiva.
Charlie Brown logo fica encantado por ela e desejando
merecer seu afeto surge em sua mente uma
questão urgente: ele precisa se apresentar para ela como quem ele de fato é
antes que ela conheça toda a turma e seja apresentada a ele através de quem a
turma pensa que ele é (até porque sua moral com a turma não anda lá muito alta
e dependendo do que a ruivinha ouça falar ele teme que ela não lhe dê a chance
de uma segunda olhada).
O pobre Charlie pede conselhos a Lucy (justo a ela!) e sai com
um livro que ensina a ser vitorioso. Ele devora os capítulos do livro e tenta
coloca-los em prática, mas bom, aquele não é ele. Paradoxo: ele tem tanto medo que
a ruiva conheça a fama que o precede não por sua improcedência, mas justamente
por acreditar em suas verdades e começa a tentar ser o que a cabeça dele (e a
de Lucy) imagina que é o homem que a garota ruiva está procurando.
Quem nunca? Não é
essa a lenda de todo início de encontro amoroso? Batalhamos pela oportunidade
de nos apresentarmos como somos, mas na sede de nos sermos sem precedentes
quantas vezes acabamos nos desperdiçando ao inventar um alguém inédito que
definitivamente não somos na esperança de que ele seja o que o outro procura? Dois
mil e dezesseis e seguimos comprando e executando receitas que vem da leitura
da nossa mente sobre os fenômenos ao nosso redor.
Tive a chance de escutar duas tias falando da experiência
universitária da mesma sobrinha. Para tia X a menina tinha suas dificuldades de
aprendizagem e um histórico de não gostar de estudar, porém a universidade
poderia ser um novo caminho para que ela descobrisse novos gostos. Para tia Y a
menina não tinha nascido para estudar e pronto. Ia ser vagabunda e andaria com
vagabundos ainda piores do que ela. Não conheço a jovem em questão, mas sei o
peso que a opinião dos outros e as realizações que eles esperam de nós –
principalmente dos queridos – tem sobre quem somos. De certa forma sempre
caminhamos pela terra dos ecos das profecias sobre nós com certa ansiedade para
saber se as cumpriremos ou negaremos. No fim, quem é essa menina de verdade?
Apenas algum desses dois relatos? A soma de ambos? Ou um universo muito mais
complexo? Não, não esqueço Freud, claro que quando as tias me falam da sobrinha
me falam também delas mesmas e de suas relações.
Quem é que a gente é de verdade então? Provavelmente nem a
gente sabe. Somos pouco educados a olhar pra nós e buscarmos nos entender. Talvez a gente saiba quem a gente é agora,
mas se veja sendo outra coisa daqui a pouco. Talvez a gente nunca seja e sim
sempre vá sendo. E se a gente permitir a gente vai se surpreender muito com as
coisas que somos capazes de ser porque todo encontro vai nos reinventar e cada
pessoa vai despertar em nós a vontade de sermos muitas coisas e, se não nos
cerceamos, as seremos. Todo mundo pode fazer o olho de alguém brilhar. Não é
mesmo, Charlie Brown? Que puxa!
Nenhum comentário:
Postar um comentário