segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O problema é a premissa


Imagine que você tem um orçamento limitado e deseja comprar um imóvel. Os imóveis são desconhecidos porém o orçamento definido é sua premissa (o ponto de partida sobre o qual você vai construir a linha de raciocínio). Ao olhar um imóvel acima do seu orçamento você pode procurar defeitos no mesmo para explicar sua não-compra. Ao conhecer uma casa que cabe no seu orçamento existe a tendência de que procure pontos positivos que justifiquem fechar o negócio. É provável que em cada casa que você entre encontre exatamente o que procura. Talvez seja parte do mistério do hábito de viver com olhos viciados.

O mesmo acontece quando nos encontramos com pessoas - esses universos inexplorados em constante expansão sob os quais despejamos nossos desejos e afetos ora em baldes, ora em conta gotas.

Se você procura um namorado corre o risco de encontrar. Vai a um, dois, três, sete encontros e só vê o que quer ver. Na lente que procura o namorado talvez o ogro seja visto como carinhoso, o galinha só não tenha encontrado a mulher certa e o frio seja carinhoso  – e se não for é apenas coisa do coitado estar em um dia ruim que quem tem coração acredita no quer. As vezes se quer tanto algo ou alguém que numa espécie de birra enfiamos o hipopótamo na garrafa, compramos gato por lebre e seguimos jurando ter feito bom negócio.

Se você não procura um namorado não vai encontrar. Pode sair com alguém bacana. Pode bater o melhor papo da cidade ou experimentar o beijo mais compatível e ainda assim vai sair correndo com as desculpas de sempre. Quem exige ouvir `te amo` não consegue usufruir do "você è lindo" ou "gosto da sua companhia". Ah, tudo em nome da liberdade...

Basicamente você pegou alguém pra cristo, vestiu sua premissa na pessoa e que fiquem elas por elas. Isso pode ser chamado de encontro? O problema é a premissa que teima em se realizar. O problema é falar de liberdade e tanto delimitar. Se já se inicia o texto tendo escrito a conclusão que espaço há de existir para que a história se escreva e se inscrevam nela os símbolos dos protagonistas?

Luc Ferry em seu livro "A revolução do amor" cita um estudo com macacos bonobos. Os bonobos "por falta de capacidade suficiente de descentralização, por falta de liberdade, entendida como faculdade de se afastar de si mesmo ao mesmo tempo que do mundo no qual esta enviscado, que lhe falta o sentido de reciprocidade". Os macaquinhos podem até ser inteligentes mas não possuem a capacidade de sair de dentro de si, de dar a volta no próprio umbigo. Da próxima vez que a gente quiser colocar muita premissa nas coisas que tal valorizarmos nossa possibilidade de humanidade e nos afastarmos um pouco de um discurso baseado apenas no que a gente quer e procura? Talvez assim a gente ainda se permita ser surpreendido.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Meu tempo é quando?



Naquela quarta-feira fiz seis entrevistas individuais de seleção e ao perguntar aos candidatos que características eles ainda podiam melhorar em si próprios ouvi sempre a mesma coisa: poderiam ser menos ansiosos. De uns tempos pra cá essa resposta tinha se tornado habitual, mas seis assim em sequência chamou minha atenção. Parece que todo mundo se percebe como ansioso e não se sente satisfeito com isso.

De forma macro com os avanços tecnológicos nós fomos sendo convidados a desaprender a esperar. Se meus pais tinham que ir a biblioteca ou pesquisar na Barsa para tirar uma dúvida eu me irrito se o google demora vinte segundos pra me dar as respostas. Será que alguém se identifica com a impaciência diante da imposição de aguardar burocracias ou respostas advindas de terceiros? Ninguém nunca se queixou sobre “esperar tanto por algo tão simples de ser resolvido”?

Quando o blackberry surgiu lembro o boom: era o celular dos homens de negócios que agora em proporções até então nunca vistas estavam disponíveis para o trabalho em tempo integral. Email, chat e telefone no mesmo aparelho, que ainda por cima acusava o recebimento. Não preciso dizer que a sensação é igual a do médico que está de sobreaviso, né? Ele não está no hospital, mas de certa forma está. Atualmente diante dos índices crescentes de doenças psíquicas algumas empresas emitem comunicados salientando que o aplicativo de bate-papo do celular não deve ser usado como meio de comunicação oficial. A palavra “folga” precisa existir de forma concreta. Será que isso é efetivo na prática?

Se antes trocávamos cartas com longos intervalos de espera ou mais recentemente ficávamos do lado do orelhão ou do telefone fixo esperando aquela ligação importante hoje somos facilmente achados a qualquer momento via whatsapp – que, maroto, facilita tanto que permite que as pessoas nos respondam enquanto fazem outras coisas, criando uma nova lógica de comunicação; basta olhar a quantidade de memes sobre “visualizou e não respondeu” para entender a angústia e a sensação de rejeição que isso tem causado, por mais simples que pareça em primeira análise.  

Dizem que a ansiedade é o excesso de futuro no presente e eu acredito nessa lógica. Fazemos a entrevista de emprego e já começamos a imaginar os cenários com as respostas possíveis. Saímos com alguém e queremos logo saber no que vai dar. Respondemos a prova e já estamos pensando na nota. Quem já teve ou já assistiu uma crise de ansiedade sabe do que eu estou falando! É incrível o fenômeno: nosso corpo está no único lugar fisicamente possível, o presente, enquanto nossa mente está em outro lugar completamente diferente se alimentando de emoções criadas por ela mesma no caldeirão de projeções, expectativas e experiências anteriores (afinal lembro que ainda não sabemos o resultado do processo seletivo, do relacionamento ou da prova!). Ansiedade é justo isso, sofrer por não saber.

Na escuta clínica a ansiedade aparece cheia de “quandos”, daí o título desse texto ser uma alusão ao poema de Vinicius de Moraes, Poética I. As pessoas trazem as perguntas cheias de desejo: Quando eu realizarei meu sonho de ser mãe? Quando eu vou conhecer o amor da minha vida? Quando eu vou conseguir aquela promoção? Meu tempo de ser feliz é quando? E dos desejos incessantes nascem as dúvidas indelegáveis: Será que eu sou suficientemente competente para o serviço que me contrataram? Será que eu vou dar conta de ser mãe? Será que eu consigo me virar sozinho? Será que fulano gosta de mim ou sai com outras pessoas também? Será que eu vou conseguir ser feliz?

Se pudéssemos queríamos nossa vida resolvida por decreto. Todos os spoilers anunciados em nossos ouvidos para evitar o sofrimento de imaginar, de esperar, de não saber. De preferência que o trailer já dissesse com quem a gente vai ficar no final pra gente nem gastar tempo e energia criando histórias “a toa”.  Só que a vida não é um texto e sua única conclusão possível é a finitude. Uma vida resolvida é uma vida acabada – que está resolvida por não ser mais possível de ser vivida, apenas.


Na hora do aperto respirar realmente ajuda. E eu costumo usar uma frase da Clarissa Pinkola Estes que diz que “quando uma vida é excessivamente controlada, cada vez há menos vida a controlar”. Faz sentido né? Quanto menos minha mente escrever o roteiro prévio do que vem a seguir menos eu tendo a sofrer com as improvisações que a vida impõe. As vezes isso me consola.