Logo após uma amiga me mandar uma mensagem dizendo como
agia uma pessoa quando ela realmente gostava de você. Eu tinha acabado de
responder dizendo que a gente tinha sido criada numa cultura de amor romântico,
que meio que dava uma generalizada sobre como é que deveria ser gostar de
alguém, mas que era possível que as pessoas gostassem sem seguir aquele manual
prévio (e que seria uma pena a gente perder estas pessoas por só conseguir
enxergar o manual). Sim, se a gente ler o próprio Freud, em um artigo chamado “A
dinâmica da transferência”, vamos entender que a maneira que a gente gosta das
pessoas e volta nossa energia pra esse gostar é muito composta pelas vivências
de como fomos gostados, aliada a essa parcela da cultura já que não somos
bonequinhos soltos num universo sem contexto, né? Ou seja: até viemos
equipados com as ferramentas para gostar, mas é algo que aprendemos, tal como
comer, falar ou vestir as nossas próprias roupas.
Assim que mandei essa resposta vi que um amigo, com
quem sempre compartilho essas inquietações de “ter que” (ter que formar, ter
que ter emprego, ter que subir na carreira, ter que fazer especialização, ter
que casar, ter que fazer festão, ter que ter filhos, ter que ser bonita, etc ao
infinito e além) havia me marcado num texto maravilhoso do Gustavo Gitti (sou
fã!) no qual ele falava de conceitos não compartilhados, de sair da zona que
parece ser a única em matéria de maneira de enxergar as coisas, de quebrar um
pouco essa “ditadura” que rege a nossa mente e por consequência a nossos
objetivos e o jeito que a gente tenta tocar nossa vida.
Exemplifico: se eu digo “trabalho”, o que logo vem a
mente? Horário comercial, delimitado, escritório, chefe, crescer na
carreira, resultado, produtividade e por aí vai. Ou, por outro lado, trabalhar
com o que se ama, escritórios interativo, horários flexíveis, líder, coworkers,
empreendedorismo, etc. Não é tudo a mesma coisa, no fim? Não estamos
dizendo que pra ser trabalho tem que ser assim ou assado? Como tirar
então o trabalho desse lugar de “trabalho”? Em uma das crônicas de seu
livro, “Tá todo mundo mal”, Jout Jout conta que se perguntou sobre isso ao
começar a encarar seus vídeos no youtube como trabalho justamente porque não se
encaixavam em nada do que ela chamaria de trabalho. Pois é, pelo visto, por
mais banalizada que a frase seja quando a gente define, a gente limita – não só
a coisa em si, mas especialmente a nossa forma de vê-la e de vivê-la.
E só piora quando a gente vai colocando “próximos
passos” como se a vida fosse uma escadinha certeira. Seja na lógica entrar no
trabalho, crescer lá dentro, ser promovido, virar chefe ou na lógica do afeto,
ficantes-namorados-noivos-casados. Quem disse que só pode ser assim hein?
E porque a gente acredita e se sente tão frustrado quando vê que não está sendo?
A gente não partilha os conceitos por mal, claro, e sim
pela lógica que rege nossa porção ocidental do mundo (que veja, até vai se
transformando com o tempo, mas nunca se desprende de estar presa a algum
conceito prévio – como no caso da aceitação dos ficantes ou da necessidade de
ver significado no trabalho exercido, que são novas formas de ver o mundo, mas
que ainda enquadram como é que o mundo deve ser visto) que nos é ensinada e que
facilita toda forma de diálogo por subentender que estamos todos partindo do
mesmo pressuposto. E pela nossa própria necessidade humana de borda, de limite, de controle, de organização, de um mundo que pareça fazer algum sentido, ter alguma regência.
Mas e a perda hein? E o sofrimento de tentar
seguir essa porção de manual ou de viver regido por esses objetivos palavreados
como “carreira”, “promoção” ou “casamento”? E as horas que a gente devia
estar aproveitando e perde por estar pensando onde elas tem que parar?
Tipo a minha amiga, que ao invés de estar curtindo o paquerinha, está pensando
que se ele gostasse dela e isso fosse dar em algo ele deveria ter que estar
agindo de maneira y ou z. Tipo outra amiga que já definiu que o trabalho tem
que ser assim e pagar o valor x e por isso nunca começa a efetivamente
trabalhar. Ou ainda uma outra que vive brigando com o namorado porque “já está
na hora” de eles casarem. Pra quê, pra quem, será que é pra gente mesmo ou é só
porque parece que o próximo passo está sempre delimitado e se a gente não der
estamos fadados ao fracasso?
Não, não é fácil abrir esses tais horizontes e dizer,
como o Gitti, que “não trabalho com esses termos”, sério, é bem difícil porque
muito naturalizado nos nossos próprios processos internos e muito estimulado
quando exteriorizamos. Se você me perguntar o que eu espero de um emprego ou de
um relacionamento pode ter certeza que eu vou acabar enumerando coisas! E só
depois vou me tocar que estou definindo e delimitando e diminuindo toda
extensão de coisas que a “falta de nome” pode me proporcionar. O exercício é
contínuo, mas eu tenho acreditado que vale a pena. Desconstruir sem precisar
construir nada para colocar no lugar é simplesmente alargar espaços para que
tudo possa simplesmente ser.
Obs. A ilustração do post é da Tulipa Ruiz e foi escolhida a dedo. Vai, se você definir que o desenho leva o rosto de uma menina, consegue ver a tulipa? E se definir a tulipa, vislumbra o rosto?
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