Oi.
Eu sei que é tarde e você já deve estar dormindo, mas hoje
eu me senti intimidante de novo e tão sozinha que eu não soube o que fazer. Eu
sei que eu pareço séria com meus óculos quadrados e com as minhas calças
compridas e que você vai dizer que essa minha cara de intelectual é que faz com
que as pessoas não saibam o que me dizer, mas você sabe que eu tenho medo é de que
todo mundo descubra que eu sou essa moleca apavorada com a ideia que os pais
não estejam no portão da escola na hora da saída.
Eu insisto em fazer as coisas tão devagarinho em um mundo
que roda depressa demais. Eu não tenho pressa ao escutar uma história. Eu não
tenho medo de amar pessoas que moram longe. Eu olho nos olhos. E choro
assistindo filme – não só filme de amor, mas principalmente filme de vida real
em que criança é abandonada sem proteção e a violência escancara seu domínio e me
faz sentir o quanto eu sou pequena diante de tudo isso. Ser tão pequena diante
de todas as injustiças do mundo, de todos os sofrimentos, de cada abandono, dói
muito. E eu fico muito séria quando penso nessas coisas, mesmo se eu não
estiver usando os óculos.
Hoje eu quase acreditei em Papai Noel de tão cansada de não
acreditar nas pessoas. Eu quase acreditei em Papai Noel porque existe essa
tradição que diz que se eu me comportar vou achar presentes embaixo da árvore
no dia vinte e cinco. E eu não ando esperando nada, sabe?
Quando eu pedi pra tirar uma foto com ele – sim, eu pedi –
Papai Noel me disse que ouvisse minha criança interior e eu apenas sorri
enquanto não dizia a ele que minha criança interior é muito mimada e se acha
digna de receber cafuné só por estar resfriada, por exemplo. Como se as pessoas
existissem para ter utilidades que supram nossas demandas – tem coisa mais
capitalista que localizar demanda e suprir? Relações baseadas em necessidades. Praticamente
um drive thru: Por favor, um namorado para cafuné na gripe. Um que leve o carro
para o conserto. E de sobremesa um que goste de conversar comigo e sinta minha
falta quando eu não der sinal de vida. E ainda me sinto autorizada a sair por
aí esbravejando o quanto tudo isso é difícil de conseguir e a vida injusta. Que
vergonha de mim mesma.
Difícil é querer o outro na inutilidade. Por isso eu saí e consertei
o carro. Por isso eu fui ao aniversário daquela amiga entre uma tosse e outra e
ainda não sarei da gripe. Por isso eu não te mandei uma mensagem falando que eu
só queria o seu carinho. Pra tentar não me sarar dessa seriedade. Pra não virar
transformer. É, transformer. Aquele metade robô metade carro do filme. Acho ele
o cúmulo do utilitário. Ou ele tá te salvando de encrencas alienígenas ou tá
simplesmente promovendo um passeio com uma gata. E aquela armadura de forte
hein? Eu tenho medo de virar transformer. De ser apenas útil. E de ser tão dura
a ponto de nunca mais chorar. De querer ser tão independente que acabe sendo
mesmo. Por isso ontem eu pedi uma carona.
Talvez eu ande ouvindo as músicas erradas, mas eu só queria
que você bebesse e me ligasse. Eu só queria que você pensasse em mim quando
toca aquela música que você me mandou. Ou que me achasse suficientemente irresistível
pra vir me ver e me roubar um beijo. Utilidades de novo, tá vendo? Olha pra
mim, escrevendo o roteiro e querendo que você se encaixe no personagem que eu
mesma criei. Não sei se é excesso de hollywood, de Disney ou de “controladorismo”
da minha parte. Desculpa.
Tem coisas que não podem ser cobradas, contudo se não forem
genuinamente recíprocas são apenas veneno antimonotonia. E eu preciso de uma
dose de monotonia pra não ser Transformer. Eu preciso de uma dose de monotonia
para enxergar que não importa quanto eu encha o meu tempo e a minha cabeça eu
gosto de você, mas me disseram que você não pode suspeitar então eu sigo
enchendo tudo pra não te encher o saco.
Eu não devia ter bebido tanto. Eu só queria dizer boas
festas. Pode esquecer todo o resto.
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