domingo, 20 de dezembro de 2015

Por trás desses óculos quadrados eu sinto tanto



Oi.

Eu sei que é tarde e você já deve estar dormindo, mas hoje eu me senti intimidante de novo e tão sozinha que eu não soube o que fazer. Eu sei que eu pareço séria com meus óculos quadrados e com as minhas calças compridas e que você vai dizer que essa minha cara de intelectual é que faz com que as pessoas não saibam o que me dizer, mas você sabe que eu tenho medo é de que todo mundo descubra que eu sou essa moleca apavorada com a ideia que os pais não estejam no portão da escola na hora da saída.

Eu insisto em fazer as coisas tão devagarinho em um mundo que roda depressa demais. Eu não tenho pressa ao escutar uma história. Eu não tenho medo de amar pessoas que moram longe. Eu olho nos olhos. E choro assistindo filme – não só filme de amor, mas principalmente filme de vida real em que criança é abandonada sem proteção e a violência escancara seu domínio e me faz sentir o quanto eu sou pequena diante de tudo isso. Ser tão pequena diante de todas as injustiças do mundo, de todos os sofrimentos, de cada abandono, dói muito. E eu fico muito séria quando penso nessas coisas, mesmo se eu não estiver usando os óculos.

Hoje eu quase acreditei em Papai Noel de tão cansada de não acreditar nas pessoas. Eu quase acreditei em Papai Noel porque existe essa tradição que diz que se eu me comportar vou achar presentes embaixo da árvore no dia vinte e cinco. E eu não ando esperando nada, sabe?

Quando eu pedi pra tirar uma foto com ele – sim, eu pedi – Papai Noel me disse que ouvisse minha criança interior e eu apenas sorri enquanto não dizia a ele que minha criança interior é muito mimada e se acha digna de receber cafuné só por estar resfriada, por exemplo. Como se as pessoas existissem para ter utilidades que supram nossas demandas – tem coisa mais capitalista que localizar demanda e suprir? Relações baseadas em necessidades. Praticamente um drive thru: Por favor, um namorado para cafuné na gripe. Um que leve o carro para o conserto. E de sobremesa um que goste de conversar comigo e sinta minha falta quando eu não der sinal de vida. E ainda me sinto autorizada a sair por aí esbravejando o quanto tudo isso é difícil de conseguir e a vida injusta. Que vergonha de mim mesma.

Difícil é querer o outro na inutilidade. Por isso eu saí e consertei o carro. Por isso eu fui ao aniversário daquela amiga entre uma tosse e outra e ainda não sarei da gripe. Por isso eu não te mandei uma mensagem falando que eu só queria o seu carinho. Pra tentar não me sarar dessa seriedade. Pra não virar transformer. É, transformer. Aquele metade robô metade carro do filme. Acho ele o cúmulo do utilitário. Ou ele tá te salvando de encrencas alienígenas ou tá simplesmente promovendo um passeio com uma gata. E aquela armadura de forte hein? Eu tenho medo de virar transformer. De ser apenas útil. E de ser tão dura a ponto de nunca mais chorar. De querer ser tão independente que acabe sendo mesmo. Por isso ontem eu pedi uma carona.

Talvez eu ande ouvindo as músicas erradas, mas eu só queria que você bebesse e me ligasse. Eu só queria que você pensasse em mim quando toca aquela música que você me mandou. Ou que me achasse suficientemente irresistível pra vir me ver e me roubar um beijo. Utilidades de novo, tá vendo? Olha pra mim, escrevendo o roteiro e querendo que você se encaixe no personagem que eu mesma criei. Não sei se é excesso de hollywood, de Disney ou de “controladorismo” da minha parte. Desculpa.

Tem coisas que não podem ser cobradas, contudo se não forem genuinamente recíprocas são apenas veneno antimonotonia. E eu preciso de uma dose de monotonia pra não ser Transformer. Eu preciso de uma dose de monotonia para enxergar que não importa quanto eu encha o meu tempo e a minha cabeça eu gosto de você, mas me disseram que você não pode suspeitar então eu sigo enchendo tudo pra não te encher o saco.


Eu não devia ter bebido tanto. Eu só queria dizer boas festas. Pode esquecer todo o resto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário