domingo, 6 de dezembro de 2015

Crush way of life (Ou sobre padres e covardias)


Aderi rapidamente a moda de “crushar”. Escolhi o padre Fábio de Melo para ser meu muso inspirador afinal ele preenchia as cotas como poucos: fala e escreve bem, é divertidíssimo (de um jeito muitas vezes bobo, que só quem sabe rir de si mesmo se atreve a ser), sensível e ainda é barbudo. Acho que totalmente sem querer ao escolher meu crush eu captei a essência do conceito: é feito para nunca se realizar exceto em nossas mentes.

Quando eu tinha quatorze anos havia no colégio esse menino que era popular e cujos cabelos caíam nos olhos obrigando-o a charmosamente assopra-los para longe. Nunca tivemos nada, pois com os meninos populares meu papo e meu humor não surtiam efeito algum – adolescentes que éramos só interessavam as meninas mais bonitas e tão populares quanto eles. Eu andava por aí pensando em como seria se ele fosse meu namoradinho, imaginando cenas em que a gente efetivamente ficava junto e trocava beijos ou palavras românticas.

Seria o crush então o novo amor platônico com um nome mais moderninho? Não sei. Eu sempre tentei trazer meus amores platônicos para a vida real (e em alguns casos efetivamente consegui) enquanto que a maior parte das postagens de crush me dá a ideia de que não precisa se concretizar – tipo eu e o meu Padre Fábio.

Posso estar fazendo uma leitura errônea do fenômeno, mas essa apatia de tornar real me faz questionar: se aquela pessoa é tão incrível porque é melhor nos relacionarmos apenas em nossas mentes? Fácil! Em minha mente eu controlo nossas interações, seu senso de humor, suas reações e as coisas que você faz e diz! Na vida real você seria uma pessoa concreta com seus próprios sentimentos, momentos de chatice, cobranças, exigências, defeitos, que me faria negociar constantemente entre meus desejos tão discrepantes de liberdade e de amor. Em um relacionamento de verdade teríamos brigas, eu faria concessões, eu vivencia momentos de lágrimas, dúvidas e também de raiva. Pra uma geração tão egoísta quanto a nossa, relacionamentos inventados parecem ser a resposta ideal – preenchem o ímpeto de querer alguém sem no desviar do caminho de nossas rotinas apressadas e preenchidas de urgências e prioridades das quais não podemos (será?) nos desviar e ainda podemos bradar que estamos sozinhos não por falta de disponibilidade nossa mas sim de interesse da parte de quem crushamos.

Com vinte e sete anos e recém-solteira eu esperava mais maturidade e disposição das pessoas da minha idade, mas de maneira geral achei colherinhas tão rasas quanto as de chá, com toda sorte de organização e pretensão de controle sobre os fenômenos da existência. Talvez por isso eu tenha promovido o padre a ser meu crush, permitindo que eu me inserisse duplamente na lógica da minha geração: me afastando das chances de me relacionar com pessoas de verdade e suas consequências e me possibilitando ter controle sobre as minhas emoções e seus impactos no meu cotidiano de maneira escancarada.

No fim é como diz o personagem de Hemingway no filme “Meia noite em Paris” de Woody Allen, numa tradução livre: “toda covardia vem de não amar ou não amar bem, que são no fundo a mesma coisa”. Talvez o crush seja o refúgio da humanidade da qual não conseguimos nos desvencilhar que encontramos para a covardia relacional que impera em nosso tempo.

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