terça-feira, 15 de dezembro de 2015

"Hoje eu tô terrível"


Essa semana o cantor sertanejo Lucas Lucco fez uma declaração em seu instagram justificando sua ausência em um show ao explicar que tem se sentido triste e que está tomando remédios para dormir, se manter calmo, etc. Algumas pessoas da minha timeline compartilharam a notícia com pesar e surpresa. O que me surpreende é que mais pessoas não cheguem ao ponto que Lucas chegou. Claro que ele se encontra em um extremo já que sua agenda de trabalho envolve diversas e constantes viagens, mas será que ele está assim tão distante da realidade da maioria de nós?

Nosso zeitgest valoriza e valida dois discursos por muitas vezes incompatíveis. O capitalismo justifica nossa constante “falta de tempo”. Pense bem, quando foi a última vez que você disse que estava ocupado demais ou que estava muito corrido para justificar alguma ausência? Precisamos ser produtivos, estar ocupados nos insere no “mundo adulto” e quanto mais ocupados mais descolados nos tornamos e mais importantes e dignos de credibilidade e respeito na ótica do outro. Não estou entrando no mérito do valor subjetivo do trabalho, não estou negando a importância de seu valor constitutivo ou a necessidade de sustento. Estou apenas sinalizando que como nossa cultura valoriza um discurso do excesso se não nos mantivermos atentos podemos compra-lo e torna-lo objeto de nosso gozo, algumas vezes só mais tarde percebendo que há dor no gozar também... Ao estar excessivamente no trabalho, estamos limitadamente aonde? Se toda nossa energia é dedicada a um estímulo, o que entregamos aos outros? O que temos oferecido de tempo, entrega ou presença as outras searas de nossa vida, como família, amigos, lazer, romance? Lucas ganha rios de dinheiro, diz gostar de cantar e de atuar e sente saudade de suas avós – porque uma necessidade não pode suprir outra, porque somos complexos e desejantes de forma múltipla. Esse cara pode ter milhares de fãs gritando seu nome e ainda assim saber o quanto está sozinho. Lúcido.

Por outro lado nossa sociedade vende e compra a ideia de dar visibilidade a nossos prazeres, coisa que as redes sociais facilitaram enormemente. Quem nunca abriu a página de alguém e sentiu inveja da foto na praia, da festa ou da boa companhia? O que o relato de Lucas nos lembra é que há sempre muito mais por detrás do recorte da foto – só vemos partes, não alcançamos o todo. Ele canta sobre curtir, beber, beijar, dançar e exibir tudo isso em festas de grandes proporções enquanto nos confessa que em seu dia a dia se sente triste e não consegue dormir. Entendo que a dicotomia das letras de suas músicas em contraponto ao seu discurso no instagram nos surpreenda, mas pensemos além: somos todos tão felizes quanto queremos crer e vender? Até quem vende essa falácia foi acometido de doses de realidade. Quem sorri na foto da praia não tem problemas no trabalho? Não é possível que estejamos na festa bebendo, mas com o pensamento lá em alguém que dói? Deve ser, afinal essa é também premissa de muitas canções sertanejas de sucesso. Nossas escolhas impõem seus preços.

Vivendo nesse contexto de excessos que nos exige produzir e consumir constantemente (não só produtos mas também momentos e pessoas) encontraremos nas prateleiras verdadeiros manuais sobre como encarar a solidão, superar a saudade, lidar com os problemas ou toda sorte de acontecimento. E todos irão falhar em suas propostas. Não há mapa para o sofrimento. Não há paradeiro para o desejo. Não existe receita para a felicidade. Tentar achar algo que fique em tempos que tudo se esvai (inclusive o cantor sertanejo de mais sucesso na rodada) pode ser um caminho, nem que seja que a gente se fique, principalmente no nosso tempo. É como desabafa o Lucas quando diz que tem um ano que não vê a avó e sabe que ela não vai estar aqui para sempre e que isso sempre martela em sua cabeça – mas somos tão empurrados pelo fluxo que muitas vezes as coisas ficam só na teoria - ou não sabemos que podemos estar economizando vida para um futuro que não nos chegará?

Algumas coisas talvez ajudem a clarear nossa mente por permitir que entremos em contato com a gente mesmo – no mais viver é dançar no escuro e tentar aproveitar a música ainda assim. Não tem jeito, tem dias que a gente tá terrível mesmo, Lucas.

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