segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Por que eu saí do Tinder (ou sobre toques e encontros)



Deslizei o dedo para a esquerda e logo apareceu um x em cima da colega mala do trabalho. Cliquei no X e ela sumiu, como mágica. Não precisei passar mais nenhum segundo ouvindo a bronca que ela estava me dando sobre a forma que eu tratava as pessoas. Saí da sala e fui no outro setor. Alguém falou que meu cabelo novo estava lindo e eu arrastei a pessoa para a direita, colocando um coraçãozinho nela afinal quem não gosta de elogio né? Começamos a conversar mas enquanto isso um outro colega apareceu falando da viagem incrível que ele tinha feito e eu arrastei ele pra direita também porque eu adoro história de viagem. A menina nova chegou e ela está linda hoje, claro que coloquei coraçãozinho e arrastei pra a direita porque adoro estampa de coruja. Falei da colega mala e todos eles acharam que ela tinha sido injusta menos a menina do vestido de coruja, bloqueei ela né, que eu não sou obrigada a aceitar conviver com gente que vê o mundo dessa forma. Foi ótimo, ela sumiu na mesma hora. Depois a moça que elogiou meu óculos começou a reclamar que estava com dor de cabeça e eu tive que bloquear ela também. Gente, será que as pessoas só sabem reclamar? E o cara que viajou? Por enquanto ele tá aqui mas eu já soube que o rapaz do outro setor sabe contar melhor esses causos de viagem e a gente tem mais interesses em comum, se bem que ele não é tão bonito assim...

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Acordei sozinha na cama com a sensação de ressaca e um certo formigamento no peito. Parecia que eu tinha acabado de fazer mercado e estava exausta de ler rótulos que eu não compreendia mas que eu seguia escolhendo mesmo assim, apostando que sem conservantes fosse melhor ou que “com suco de cinco laranjas” fosse me dar mais vitamina c. Eu já tinha saído do tinder mas e se o tinder não tivesse saído de mim? Nietzsche disse que quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha pra você. Claro que eu não ia poder arrastar meus colegas de trabalho na vida real mas e se eu tivesse aprendido a arrastar as pessoas simbolicamente? E as pessoas que eu tinha arrastado na vida virtual, que muitas vezes é mais real do que a dita vida real, protocolada, burocrática, enfadonha? (Hoje em dia ainda existe essa dicotomia real x virtual? Acredito que não...)

O tinder parecia bom pra mim. Uma boa possibilidade de conhecer pessoas novas – coisa difícil pra uma pessoa que embora sociável frequenta lugares pouco interativos como cafés, teatro e cinema. Vindo de dois namoros praticamente emendados já se iam uns quatro anos dividindo a vida e todos os seus pormenores mais gostosos e também mais difíceis com alguém, sem precisar me preocupar em ser o produto do rótulo mais interessante da prateleira infinita, sem precisar me preocupar com os mil jogos de disfarce de interesse – na verdade, achar companhia nunca tinha sido um problema pra mim e eu achava que estava só mudando a via de busca de alguém para rir, conversar e passear ao entrar no tinder. Como eu estava enganada.

Olhei pela janela e vi aquele tanto de estrelas no céu. Pensei em tantos que éramos naquele aplicativo, procurando alguém. Porque sim, se você está ali você está procurando alguém para algo – pode ser transar, ter um paquera, namorar, achar o amor da sua vida, ter com quem ir ao cinema, tanto faz. Só que a usabilidade do tinder dá a mesma ideia que eu tinha ao olhar as prateleiras do mercado e ter que decidir sobre os rótulos ou que um casal tem ao ir procurar apartamento: mas e se eu fechar esse apartamento e o próximo que eu for olhar for mais incrível? O tinder sempre te dá um próximo. O tinder pode te dar vários ao mesmo tempo. O tinder te oferece mil casinhas com jardins verdes, mil telinhas brancas a serem coloridas, afinal como diz Millôr “como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.” e ninguém nunca conhece bem um paquera podendo ele ser como o camaleão, camuflado da cor de fundo que quisermos, caixa da qual pode sair toda sorte de surpresa e sob a qual sempre repousamos nossa melhor expectativa. Encerrar uma paquera costuma ser mais difícil do que encerrar um namoro porque significa encerrar a fantasia, a promessa de vida que viria. Tanta gente querendo encontrar alguém... Como é que ninguém se encontrava? Que eu chegava na faculdade e ouvia as pessoas falando da falta de pessoas interessantes? Que eu chegava no trabalho e escutava que as pessoas não estavam disponíveis? Que as minhas amigas falavam que não sabiam aonde encontrar pessoas?

Segundo o dicionário Michaelis encontro pode significar “1 Ato de encontrar ou encontrar-se. 2 Choque, embate, encontrão, colisão. 3 Briga, recontro, duelo. 4 Esp Jogo entre duas equipes. 5 Reunião de pessoas ou coisas. 6 Ponto em que uma pessoa se encontra com outra.” Eu queria encontrar e estava disposta a todas as consequências oriundas de um verdadeiro encontro (bom, tenho vinte e sete anos, já deu pra desfantasiar sobre o que são duas visões de mundo entrando em contato): dúvida, medo, alegria, ansiedade, descobertas, discordâncias, chateações, surpresas. E muita, muita curiosidade, que sou naturalmente uma interessada em ouvir o que as pessoas pensam.

Só que o tinder se mostrou não um aplicativo de encontros e sim de esbarrões (”1 Tocar de leve em. vti e vpr 2 Ir de encontro a, chocar-se com. vint 3 Deter-se: Os animais esbarraram assustados. vti evint 4 Deter-se diante de uma dificuldade: Esbarrar num impasse. Trabalhava com zelo, porém esbarrava às vezes. vint 5 Parar de fazer algo, em sentido amplo.”) Adoro essa definição do “tocar de leve” porque é a cara da contemporaneidade. É a cara da geração que compra o livro “não se apega não”, é a cara de quem já conhece alguém dizendo que não quer se envolver, é a cara das conversas que toda minha vida ouvi uma mulher dizer a outra “não mostre interesse demais que isso assusta”, é a cara de quem quer que tudo seja suave, é a cara do tinder! É o grito do “não vamos até o ponto que uma pessoa se encontra com a outra, vamos apenas nos tocar de leve”. Tocar de leve combina até com o capitalismo porque você pode continuar produtivo, útil, focado já que seus conteúdos mobilizadores estão resguardados pois quem toca de leve não vai conversar sobre como se sente inferior quando a mãe fala do irmão mais velho ou sobre como se sentiu ao perder o avô.

Descobri assim que na verdade ninguém quer encontrar ninguém e por isso ninguém se encontra – onde nos conhecemos mais ou melhor do quando nos vemos em relação a alguém? Todo mundo só quer se tocar de leve, dar uns beijos, não esquentar a cabeça e não correr o risco de precisar desviar a rota da própria vida que vai sempre mais segura e desenhada quando vamos sozinhos. Descobri assim que o tinder era a prova irrefutável do discurso da liquidez de Bauman. Descobri que eu era old school porque até pra dar uns beijos eu queria saber se sei lá, tava tudo certo no trabalho da pessoa ou se ela tinha tido um dia difícil. Descobri que eu tinha virado um ponto fora da curva achando que esbarrar deixava muito mais marcas doloridas do que se encontrar. Saí do tinder, com medo de que ele e sua visão superficial se entranhassem em mim. Com medo de que eu começasse a arrastar pessoas para os lados porque elas despertaram em mim sentimentos. Com medo de que “tocar de leve” tocasse o meu jeito de ser. Eu saí do tinder para continuar com o Vinícius de Moraes, achando que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida..."

Um comentário:

  1. Não sei como funciona o tinder porque (felizmente) tive a sorte de encontrar alguém antes que o aplicativo surgisse. Acho válido, mas não lembro de nenhuma história de amor que tenha nascido no tinder... acho que ele serve só para "esbarrões" mesmo.

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