terça-feira, 7 de março de 2017

Vênus retrógrada



Segundo a amiga que entendia de astrologia era essa a razão daquele ex ter ressurgido propondo um encontro. O planeta Vênus estava em alguma posição no céu que fazia com que o passado insistisse em tentar ser presente, exigindo reaproximações e reavaliações, implorando que as histórias mal resolvidas resolvessem-se de uma vez por todas, ora.

Foi pensando em Vênus, a Deusa linda saindo da concha do mar no quadro, responsável por reger tudo que fosse da ordem do “amor” que ela disse que aceitava o encontro. No peito o coração quase saltava a boca: ultimamente vinham sendo “broders”, e ela se preocupava que aquele tal planeta aprontasse um céu bonito demais que tornasse difícil não quererem ser outras coisas mais, com outros tantos sabores que outrora foram tão bons.

Vestiu também a cara mais séria e distante para parecer que aquele encontro era nada mais que uma casualidade tranquila no seu cotidiano. Estava se adaptando a pertencer a geração que esconde desejos – a não ser que o outro deseje também e o mais importante: demonstre primeiro!
Ele colocou um jazz pra tocar, elogiou o sorriso dela e o quanto ela era boa companhia – tinha estado com muitas outras e estando de novo com ela lhe parecia claro o quanto a dela era agradável.  Não queria fazer a comparação, pois sabia que era tolice, pretendia mesmo era enaltecer o quanto a simples presença dela lhe agradava.

Sentaram no chão, abriram o velho vinho tinto de sempre e conversaram. Longas horas de uma boa conversa sobre os mais variados assuntos e nenhuma palavra recaiu sobre os sentimentos dos dois.  Ele colocava o cabelo dela atrás da orelha dela e lhe acariciava o braço, vez ou outra.  Ela, meio tonta, tentava atribuir significados aos gestos dele.

Ao chegar em casa, ainda embriagada de vinho e de coragem, ela escreveu a mensagem com as palavras que não teve coragem de proferir: você ficou com vontade de me beijar hoje? A resposta não tardou talvez também embebida em álcool – “claro que sim, mas não senti que havia abertura”. Ela também quis beija-lo naquela noite, mas preferiu não confessar. Entre Deuses e planetas ainda prevalecia seu orgulho. E estava muito orgulhosa de saber que ainda despertava nele aquele tipo de desejo.

Ele. Nem parecia que aquele ultimo encontro havia sido um mês atrás. Ela ainda se perguntava se valia a pena ter sido orgulhosa e ter engolido a seco – por mais que molhado – o beijo que queria dar e não deu, pensando em não ser fácil, não ser trouxa, não ser disponível, não deixar ele pensar que era só estalar os dedos e lá estaria ela a postos. Desde então ela não conseguia mais se lembrar do ultimo beijo que havia dado nele, perseguida pela lembrança do beijo não dado e por seus ecos de “e se”.  Não se viram mais. Ela não sabia se ainda se veriam. E por conta de consequências tão calculadas podia ser que ela nunca mais pudesse experimentar isso de novo.

Desde então vinha catalogando os beijos que quis dar e não deu pelas mais variadas razões – de medo de perguntar se o outro também desejava a medo de ser explicitamente rejeitada. Um lado se regozijava de ainda ter sido desejada por ele enquanto o outro lado se culpava por não ter seguido os instintos e inscrito uma memória nova. Que planeta será que ela poderia culpar por ter sido tão racional e medrosa? Havia algum planeta que tonava tão importante a sensação de que o outro reconhecia nosso valor? Algum signo?

Quando se deu conta já tinha uma agenda mental dos últimos beijos não dados e esperava que a tal da Vênus agregasse outras possibilidades de reencontro e que ela aproveitasse pois sabia que era improvável que tivesse a coragem de repetir a ousadia da pergunta “hoje você quis me beijar?” e ainda mais improvável que alguém confessasse isso de graça, pós encontro, entregando o ouro ao bandido.


Abriu o celular e achou a mensagem: “ainda penso naquele beijo que não existiu”. E agora, Vênus, o que fazer? Ficar retrograda como você? 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

A (hipótese) da "lógica do desafio"


Junto com a revolução francesa nasceu o conceito da Meritocracia – até hoje utilizado, muito polêmico e combatido pela reforma pedagógica. Se antes todos os benefícios eram dos aristocratas por direito fundamentado em suas origens, a partir da revolução todos os cidadãos passaram a poder alcançar suas conquistas próprias pelas vias de seus “méritos”. A partir desse marcador histórico conceitos como disciplina, esforço, dedicação e superação passaram a ser estimulados e vigorar como regra de conduta.

É em função dessa lógica conceitual que a gente acha que é “ok” (ou até “inspirador”) ler reportagens enaltecendo adolescentes que estudam oito horas por dia para “realizar o sonho” de passar em algum vestibular concorrido ou pessoas em situação completamente desfavorável (pobreza, jornada tripla, dificuldades) sendo aprovados em concurso público, por exemplo. É por isso também que o mote da maioria dos livros e palestras motivacionais se baseia em “seja o autor da sua história”, “tome as rédeas da sua vida” ou “faça acontecer”. Até na academia introjetamos que “sem dor, sem ganho” quando tentamos emagrecer ou ganhar massa.

A palavra “impossível” saiu do vocabulário por desuso já que tudo parece ser questão de se comprometer com o objetivo. Assim fica fácil entender o tanto que aumenta a frustração quando a gente não consegue algo que deseja né? Já que é como confessarmos ao mundo que somos tão incompetentes que nem com toda combinação de disciplina, esforço e dedicação (receita tão divulgada, oras!) conseguimos atingir nossas metas. Não, não haveria de ser porque não existem vagas universitárias ou de concurso suficientes para todos os que as desejam, há de ser sempre inabilidade nossa. Não, não haveria de ser porque nosso organismo segue seus vieses biológicos individuais que não engordamos, emagrecemos ou ficamos sarados e sim porque estamos sendo preguiçosos.

Talvez tenhamos nos conectado tanto com a logica de superar dificuldades para fazer grandes conquistas que ate nossa vida sentimental estejamos regendo sob esta batuta. Li o trecho do livro Romance Moderno do Aziz Ansari na Piauí (http://piaui.folha.uol.com.br/materia/sera-que-ela-vai-escrever-de-volta-sera-que-nao/) e fiquei com a pulga atrás da orelha. Aziz usa muitos estudos baseados em pesquisas científicas de credibilidade para estabelecer relação entre dificuldade e atração. Ok, sei que esse papo não é de hoje senão a máxima de “trata mal que eles pagam pau” não estaria em vigência, certo?

Aziz cita um estudo de Erin Whitchurch, Timothy Wilson e Daniel Gilbert que mostrou a um grupo de mulheres perfis de rede social masculinos que, segundo os pesquisadores, haviam visitado o perfil delas. Elas eram informadas de que uma parte do grupo as havia achado interessantes, outra parte as julgava desinteressantes e a terceira parte foi atribuída a ‘incerteza’ sobre o feedback que era atribuída aos seus perfis. A mulherada declarou que quem persistiu em suas mentes após o encerramento havia sido o grupo dos incertos. Tudo indica que sim, quanto mais rara for a água maior será a sede. O que pensar sobre isso?

Groucho Marx tem uma frase certeira, que talvez elucide um pouco as coisas: “recuso-me a fazer parte de um clube que me aceite como sócio”.  Lacan, psicanalista francês, cunhou o termo ‘grande outro’ para explicar nossa relação com figuras a quem atribuímos elevado valor, considerando que suas opiniões e impressões acerca de quem somos tem maior peso do que as dos demais. Talvez, portanto, por caprichos de nosso inconsciente, acabemos por escolher pessoas difíceis para desejarmos e repudiemos os que nos aceitam como sócios afinal, quem haveria de nos querer e aceitar? Se não fosse assim será que os tocos que tomamos de pessoas que conhecemos tão pouco para valorarmos tanto nos machucaria com esta proporção? Se não fosse assim porque persistiria esse “querer conquistar qualquer coisa assim em você”de que fala Caetano Veloso em Eclipse Oculto?

Passei dias com esse texto na cabeça, tentando concatenar suas ideias ate que hoje uma amiga me procurou para desabafar. Embora ela tenha quatro pretendentes, deseja uma mulher que lhe disse que não tem interesse em relacionar-se no momento. Ora, ela poderia simplesmente desfrutar dos esforços românticos de quem esta tentando conquista-la, mas insiste – agora esta mesmo determinada a – tentar convencer justo a menina que não a quer de que ela vale a pena. Como a opinião dessa garota em questão acabou virando a mais importante nesse momento? Porque fazer força para convencer alguém de que somos amáveis quando há outras pessoas dispostas a nos amarem sem que precisemos provar nada? Porque dentre tantos clubes só queremos os que não nos querem como sócios?

Posso estar elocubrando muito ao falar de uma “meritocracia sentimental”, de uma “logica do desafio” orientando nossas buscas amorosas, mas se eu estiver me inclinando para uma leitura correta e estivermos todos procurando nos provar através de grandes atributos ou esforços, será que não valia a tentativa de se desafiar a se permitir ser gostado, ser conquistado, mudar o viés pelo qual vivemos a situação? Talvez se a gente parar de correr na subida da montanha a gente possa dar uma apreciada na paisagem, não? Ou podemos continuar bancando o Pink e o Cérebro e dia após dia tentarmos conquistar o mundo. O que a gente ganha fazendo isso eu não sei, mas o que a gente vai perdendo acredito que saibamos todos. 

terça-feira, 19 de julho de 2016

Caras que não valem vinte e cinco centavos de moral



Dos meus quinze anos (época que tive meu primeiro namoradinho) até hoje (treze anos depois embora eu insista em me sentir com “vinte e poucos anos”) eu basicamente estive em relacionamentos sérios com intervalos de solteirice relativamente pequenos, o que me motivou a nesses meus últimos nove meses de solteirice fazer uma espécie de laboratório com os tipos de cara que fui encontrando pelo caminho.  Aprendi muito.
Foi assim que descobri os caras que não valem vinte e cinco centavos da nossa moral embora a gente as vezes teime em não perceber e insista. Foi assim que descobri egos tão frágeis que pareciam ainda adolescentes cheios de coisas a provar a si mesmos, cheios de necessidade de aprovação, cheios de medos. Listo aqui alguns dos tipos de caras que, que pena, não valem as paranoias que criam nas nossas cabeças ou “as fisgadas dessa dor e rimas de um poema” (sim, pode ler a lista abaixo enquanto escuta a Maria Rita cantando “não vale a pena”, a escrevi com essa trilha sonora!).
Eis as ciladas que eu encontrei, Bino:

1.      O vaidoso:

Ele precisa saber que pode seduzir e conquistar. É tão necessitado de aceitação que tem que atirar pra t-o-d-o-s os lados, inclusive para as moças com as quais ele não pretende se relacionar pra ter certeza que seu charme ainda faz efeito. Vai repetir a mesma cantada com todas. Vai falar pra você das moças que deram em cima dele. Vai estar sempre atrás de alguma que pareça “mais difícil de conquistar”. E vai pagar de sensível, se mostrando cheio de dilemas – o que fará você achar que é tudo uma questão de não ter encontrado a mulher certa pra lamber as feridas de jovem incompreendido dele e sossega-lo. Não caia nessa, amiga, manda ele baixar pokemon go pra satisfazer esse frissom de caçador e se poupa, vai por mim. O último dessa espécie que eu conheci já encontrou umas cinco mulheres nos últimos quatro meses e continua na mesma.

2.      O “sincerão”:

Ele se acha muito legal porque já foi logo te dizendo que não quer ter um relacionamento agora. Mas isso não o impede de viver um relacionamento com você, obviamente. Só que sem o nome, pra ele não se sentir pressionado, cobrado ou na obrigação de fidelizar o piupiu. Então sim, ele vai sair com você com certa regularidade. E vai te tratar bem. E vai até ser gentil, se oferecer pra pagar uma conta ou outra, vai te levar na casa dele e vai conversar com você sobre as coisas da vida dele. Aqui tudo pode – menos você se apaixonar, porque ele quer só o bônus, sem ônus. Querida, dê o fora. Quem gosta de adolescente hedonista é orientador profissional. Todas as interações humanas são variáveis e podem dar em algo ou não, lógico – mas pra quê ter tudo com alguém que já tá te dizendo que não vai dar nada e que quando você reclamar disso vai te dizer que sempre jogou limpo com você, como se suas palavras e comportamentos fossem sinônimos e coerentes? Ele não pode abrir mão da sua “liberdade”, tão bem usufruída indo jogar videogame ou ao cinema com os amigos. (sim, eu descobri que até os caras não-baladeiros desenvolveram medo crônico de perder a “liberdade” – me digam vocês meninas, estamos mesmo achando que só porque nos relacionamos com alguém podemos inferir no que ele pode ou não fazer?)

3.      O que não sabe o quer:

Você manda mensagem, ele visualiza e não responde Você se chateia e some. Ele manda mensagem perguntando o que você tá fazendo, dizendo que você sumiu. Você diz que gosta dele e ele que some. Você arranja outro e ele reaparece dizendo que reconhece que perdeu o mulherão que você é. Miga sua louca, se você gosta de repeat usa nas suas música se vê filme repetido, esse aí tá fadado a ser mais looping que looping de montanha russa. Pra cada passo pra frente vão sempre rolar uns pra trás. Se você não estiver tentando fazer aula de dança, deixe pra lá.

4.      O que te trata mal:

Não, ele não vai poder sair com você naquela quarta porque ele já tem um compromisso inadiável com os amigos. Ele também não vai falar que gosta de você porque não precisa, né, se ele sai com você uma vez na semana já tá claro que gosta, né verdade? Tá meio triste porque seu cachorro morreu ou porque a semana tá difícil no trabalho? Liga pra sua amiga porque nosso broder aqui não gosta de sentir que suas expectativas estão conduzindo ele a ter obrigações. Ter DR sobre algo que ele fez e você não curtiu? Nem pensar. Ele não curte DR. E ele só faz o que ele curte.
De mimado já basta aquele seu primo pentelho que bagunça seu quarto no almoço de domingo em família né não, companheira? Se é pra se sentir sozinha e podar quase tudo que você quer falar pra ser aceita por ele, acredita em mim, melhor ficar sozinha.

5.      O “jogador”:

Ele continua no primeiro ano do ensino médio. Acha que quem demonstra o que sente cede poder pro outro, que perde o interesse após ter conquistado o que queria (sim, vivemos nesse grande jogo de videogame com objetivos a serem conquistados e que assim que conquistados perdem a graça e a gente muda o jogo...). Ele calcula todos os passos das interações. De quem é a vez de puxar o papo. Se já é hora de fazer um convite. O que falar para parecer levemente desinteressado. Ele acredita em estratégia, poder e conquista. Chama ele pra jogar War, colega. Ou então nem isso. Monta o tabuleiro, chama as amigas e faz brigadeiro que você ganha mais.

6.      O que “te dá umas dicas pra você melhorar”:

Sabe, você não devia ser tão sentimental. Sua vida seria mais fácil se você falasse menos. Você precisa variar mais os temas dos seus textos. Ou reclama das suas roupas. Ou ele faz piada do que é importante pra você, tipo “ah, agora quer dizer que você é escritora?”. Sério amiga, você já tem mãe e também já tem toda uma pressão social e midiática te dizendo que você não é boa o bastante, pra quê se pendurar num cara desse? Você não precisa mesmo ficar andando por aí com a sensação de que não é uma boa pessoa, vai por mim.


Vocês já encontraram algum desses maravilhosos pelo caminho? No que deu? Acrescentariam algum outro tipo de encosto a lista? Eu sei que hoje em dia vinte e cinco centavos não compra muita coisa, mas sério, melhor guardar na nossa bolsinha de moedas e ir juntando pra algo que valha a pena do que investir num mané desses. A paciência as vezes tem suas vantagens. E sério, pra cada cara que não quer a gente, a vida reserva algum que quer - não é assim com a gente também? Pra cada cara que não conseguiu despertar nosso interesse acaba surgindo um que desperte. 


segunda-feira, 11 de julho de 2016

Não, não estamos loucas.



Gaslighting é um termo utilizado para explicar situações de abuso em que mulheres são levadas a crer que perderam a sanidade. O termo “gaslighting” vem de um filme (Á meia luz em português, Gaslight em inglês) em que o personagem masculino principal tenta fazer a personagem feminina acreditar que enlouqueceu através de ilusões de percepção, sendo a principal delas ligada as lâmpadas que parecem ter vida própria, numa casa de história já sombria.

Na dicotomia do discurso sobre sanidade/loucura existe um evidente jogo de poder, como pontua o próprio Foucault. Quem é louco tem seu discurso deslegitimado baseado na crença de que toda informação oriunda de uma mente não-sã é baseada em despropósitos. A fala do dito louco pode ate ser escutada, mas não é levada em consideração pela sociedade, pois é representada sempre como construída a partir de fantasias e fantasias, não merecem credibilidade.

A condição de loucura coloca o sujeito em uma posição de invalidez. Se alguém dito louco diz que sofreu abuso é fantasia. Se alguém dito louco diz que sofreu violência é coisa de sua cabeça. Se alguém dito louco fala sobre negligencia é porque não sabe o que diz. Automaticamente. Inquestionavelmente. Argumentos apresentados, me pergunto: será que é a toa que um dos adjetivos mais utilizados por parte dos homens para diminuir a importância do que as mulheres falam é de que estão ``loucas’’?  

A coisa é impregnada de forma sutil e quando nos damos conta já compramos o discurso de ``mulher louca’’ com naturalidade.Todas estamos sujeitas a isso. Certa feita me senti desprestigiada por um rapaz e externei a ele como me sentia desimportante para ele frente ao modo como ele estava agindo. Saí dessa conversa com a incômoda sensação de que eu tinha exagerado, de que estava fazendo drama ou sendo muito dura com ele. Chamei uma amiga pra conversar e expus a ela a situação. Para minha surpresa ela disse que eu definitivamente estava certa de crer que o cara tinha agido comigo como quem não se importa. Eu tive que colocar um terceiro elemento na equação para  acabar com a sensação de ser a errada, a problemática da historia. Por que razão isso acontece?

O processo é historica e culturalmente naturalizado. Fomos criadas para aceitar sermos silenciadas. Só que chega. Então não. Você não é maluca quando se chateia quando ele não responde sua mensagem ou quando ele desaparece no ar sem explicação previa – o comportamento educado ao não querer mais ver alguém é esclarecer a finitude das coisas e não abrir espaços para suposições. Ou pior: você não é maluca quando ele some e reaparece como se nada tivesse acontecido e diz que ao argumentar sobre como você se sentiu sobre isso você esta fazendo drama ou tendo uma reação exagerada frente a situação.

Assim como você não é maluca quando se chateia quando alguém te fala uma gracinha na rua – e ao se queixar você escuta que entendeu tudo errado, que a pessoa só queria te elogiar, pra que levar as coisas tão a serio afinal. Você não é maluca quando se ofende se alguém que você nem conhece te pede nudes. Também não é maluca se não acha razoável seu chefe fazer piadinhas machistas perto de você ou insinuar coisas sobre seu aspecto físico. Nem tampouco é maluca se não achar razoável alguém querer ditar como você deve pensar, se vestir e agir.

Não, também não esta louca quando demonstra o que quer. Quando é sensível e fala de seus sentimentos. Quando se sente insegura frente aos comportamentos e falas do outro. Quando não tolera ser diminuída. Quando expressa o que pensa. Quando impõe seus limites. Quando não permite ser maltratada. Quando questiona. Quando não paga o pato. Quando se protege. Você nunca será maluca por se expressar, não importa o quanto tentem te convencer disso. Não seja vítima do canto da sereia. 


Lembre que há um jogo de interesse por detrás de fazer você questionar sua sanidade, de fazer você achar que esta exagerando, de fazer você se sentir culpada pelo que sente e pelo que fala. Interessa a alguém que você cada vez questione menos e se cale mais. Quanto mais se ver dessa forma mais facilmente manipulada você será, afinal. Então não, não esqueça: você não esta louca (e mesmo que você tenha qualquer condição especifica de ordem psicológica ou psiquiátrica isso não é motivo para aceitar que alguém diz que o que você fala não tem valor, de verdade – afinal também já passou da hora da gente parar de achar que os ditos loucos não possam ter nada a nos dizer).

segunda-feira, 4 de julho de 2016

A boa menina



Todos nós temos nossos medos. Alguns de nós optam por ignora-los. Outros por mergulhar neles e compreende-los. Todos, de alguma forma, construímos estratégias para viver com eles. O meu medo é bastante comum, com certeza - embora pouco assumido, como a maioria dos medos que vivemos, ao fingir que não os temos para não parecer deslocados nessa oba-oba de certezas e seguranças que parece ser a vida de todos ao nosso redor. Cuidado, a grama do vizinho às vezes só é mais verde porque é de plástico. Ah, Pessoa e seu poema em linha reta, como falar de medos quando todos parecem falar de conquistas ininterruptamente?

Eu sempre tive medo de não ser suficiente. De não ser suficientemente boa, suficientemente inteligente, suficientemente interessante e o pior: suficientemente digna de ser gostada. Afinal, assim, por conseguinte eu seria sempre substituída e a culpa (ah, mundo ocidental de ideologia cristã, culpa...) seria sempre minha. Sim, não interessava o quanto as pessoas me elogiassem, os pretendentes se multiplicassem, o quanto as notas fossem boas, os feedbacks bacanas,a terapia andasse (ah, eu sei Freud, eu sei, é que saber nunca foi o suficiente, não é?), a sensação permanecia. E quando a gente tem um problema a gente tenta criar uma solução, certo?

No war da vida meu objetivo era evitar ao máximo essa sensação de insuficiência então minha estratégia era ser o mais “gostável” possível, tentando não fazer nada que pudesse afastar as pessoas de mim. Engoli sapos com os mais diversos temperos enquanto tentava ser Gandhi ou Mandela: vi uma colega de trabalho falar mal de mim para outra e fingi que não vi e continuei trabalhando, desculpei – sem ninguém ter me pedido desculpas – vacilos chatíssimos (términos via whatsapp, por exemplo) em nome da paz, da sensação de “não estar brigada”, de manter as portas da boa vizinhança abertas. Tudo para ser deboísta, tudo para ser querida, tudo para tentar ser suficientemente boa.

Um dia eu me toquei de que não estava funcionando. Quanto mais eu era boazinha mais eu era espezinhada. E não pense que era por “grandes gostares”, desses que nos tratam bem e nos estendem carinho, não. Era por qualquer esmola, mesmo. Aí um dia eu cansei. Cansei da dor de estômago dos sapos silenciosamente digeridos com o molho do medo. Desse jeito todo mundo podia gostar de mim – menos eu. Todo mundo podia me achar muito legal, calma, compreensiva – menos eu, que seguia desesperada tentando varrer meus sentimentos pra debaixo dos tapetes enquanto continuava a sorrir sem demonstrar incômodos, a sentir sem me  permitir sentir, me cobrando sempre ser “um ser humano mais evoluído”.

Em alguma pisada de calo mais doída, eu chutei o balde. Falei com todas as letras sobre como eu me sentia. Que alívio! Eu não fiquei tentando justificar as atitudes da pessoa. Eu apenas aceitei que raiva e frustração eram sensações humanas que eu tinha o direito de sentir e sentindo-as de repente eu não fazia questão que aquela pessoa me achasse gostável. Na verdade, o jogo havia virado: eu não sabia se eu achava que aquela pessoa era gostável. E eu não me importei se eu seria a louca, a chata, a sentimental, eu simplesmente falei como eu me sentia. Eu, enfim, estipulei os meus limites.

Uma coisa tão simples e tão pequena que mudou tudo. Eu não sou um pote de nutella ou uma pizza então não vou conseguir agradar todo mundo mesmo que eu tente com todos os meus esforços. Se não vou agradar todo mundo posso economizar toda energia que eu gasto tentando fazê-lo. Posso (e devo!) usar essa energia para me agradar um tiquinho, para me gostar um tiquinho, para me ser suficiente, afinal eu me convivo o tempo todo.


Não pense que eu mudei com você. Não, eu mudei para mim. Chega de engolir tanto sapo. Talvez seja hora da minha dieta ser de pizza e nutella, afinal.

* Ilustração da Tulipa Ruiz

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Jardim


Justo a mim, tão avessa a manuais de instruções, tão descrente de guias em formato de passo a passo, veio o pedido: por favor, me ajuda, escreve sobre como esquecer alguém. Não julgo, pois não posso, já escutei Vanessa da Matta perguntar “como pode ser gostar de alguém e esse tal alguém não ser seu?” vezes demais e certamente já tive tanta dor de cotovelo que é praticamente um milagre da biologia que os dois continuem aqui firmes e fortes. Não sei se eu já assumi isso assim para o mundo, mas a voz da minha consciência é a própria voz da Bridget Jones de pijama choramingando com “all by myself” de fundo. Com minha vontade de agradar (e meu receio de que não me sugiram mais temas!) eis aqui o melhor que posso oferecer então: o anti-texto, o anti-manual, a anti-resposta sobre a dificuldade da despedida, porque mesmo depois de tantas ainda não acredito – ou não vejo vantagem – em tentar apressar o ciclo da coisa.

Gosto muito de uma metáfora da Márcia Baja sobre sermos jardim. Jardim é coisa bonita de se olhar, mas só quem cultiva um sabe o trabalho que dá. Quem se dedica a jardins sabe que tudo é transitório, desde a beleza das flores a aspereza dos espinhos. Tudo nasce e tudo morre e o jardim continua sendo jardim. Jardinagem exige mão na massa senão o ciclo da natureza sobressai ao estilo do jardineiro, igualzinho ao que a nossa mente faz com a gente. Acabamos de aparar a grama e já nasce uma erva daninha. Acabamos de jurar que não queremos saber como fulano está e ops, vamos parar no seu perfil do facebook.  O que é afinal esse tal de “ser jardim”?

Se sou jardim, tenho cá minhas belezas e atrativos e vira e mexe algum beija flor, borboleta, abelha, bem te vi ou joaninha aparece para passear, encantado talvez com as cores, com os perfumes, com os sabores ou com a própria vida que exala do tudo que é cultivado. O caso é que o jardim é fixo e a presença dos bichinhos é temporária. Não dá pra exigir que qualquer um deles queira ficar mais um pouco. Como foi livre para chegar, há de ser livre para ir e conhecer outros tantos jardins quanto lhe for conveniente. Aqui alguns de nós se rendem a ilusão de controle: não, não, se eu agora plantar uma hortênsia ali ele vai se interessar por ficar um pouco mais para conhece-la. Pode até ser que funcione, mas você vai mesmo aguentar viver no medo do abandono e no esforço de evita-lo? Não sei, acho que só é bonito quando o outro fica por querer ficar. Mesmo que ele vá embora e só aí perceba que sente falta de algum elemento do jardim e por isso volte – não depende de nada que a gente possa fazer, só dos livres desejos do outro, mesmo. (sim, também sou descrente de manuais de conquista.)

Não adianta forçar a barra, no máximo é tocar o Raça negra e segurar essa barra que é gostar de alguém. É ficar meio borocoxô, talvez até mais sem graça que a top model magrela da passarela ou mais solitário que um paulistano, mas continuar com a mão na massa da jardinagem porque o quê mais se há de fazer afinal? Sou contra fingir que não sentimos o que sentimos para parecer mais fortes, descolados, desapegados ou qualquer coisa que o valha. É como a Mística, do X men, querendo usar sua força integralmente, mas precisando desloca-la para manter a aparência da Jennifer Lawrence. Desperdício de energia que poderia estar sendo aplicada em qualquer outra coisa. Tem que sentir. Sentir dá sentido. Tamponar só atrasa aprendizados e amadurecimentos.

Do lado de cá, pessoalmente falando, mais do que o esforço pra esquecer postumamente eu tenho é dirigido as energias para viver de verdade enquanto estou ali, sem me importar se o outro acha que isso é um sinal de que quero algo mais sério, de que gosto demais ou que eu deveria estar jogando os joguinhos. Eu quero a certeza de vida no meu jardim e se tem uma pessoa ali inteira, disponível a ser conhecida, eu realmente quero dedicar meu tempo e energia para conhecê-la, no tempo que eu tiver disponível, pois é necessário saber que é como diz Hazel, de A culpa é das estrelas, alguns infinitos são maiores que outros.

Os visitantes de jardim vem e vão – sim, sabemos que a vida é dada a pragmatismos, por mais românticos que sejamos querendo a visita daquele bichinho específico, porque algo nele nos tocou – e o jardim fica. A gente acorda com olheiras e o sol continua brilhando lá fora. A gente pensa na pessoa e continua tendo que bater o ponto no horário determinado. A gente desabafa com alguém de confiança ou pede a uma amiga para escrever sobre isso e continua fazendo planos para o fim de semana.

Como esquecer eu não sei, talvez eu acredite mesmo no clichê do conselho de mãe, de que seja coisa do tempo passar . Até porque, pós Brilho Eterno de uma Mente sem lembranças, acho que esquecer pode ser de uma crueldade ou de uma burrice das grandes.  Enquanto se lembra só não deixe o jardim morrer. Vá ocupando a mente com ele. Não se prive da sua própria beleza. Vá olhando pedra e vendo pedra mesmo. Até o dia em que você consiga olhar e ver, de novo, poesia.


sexta-feira, 17 de junho de 2016

E se definir for realmente limitar ?



Logo após uma amiga me mandar uma mensagem dizendo como agia uma pessoa quando ela realmente gostava de você. Eu tinha acabado de responder dizendo que a gente tinha sido criada numa cultura de amor romântico, que meio que dava uma generalizada sobre como é que deveria ser gostar de alguém, mas que era possível que as pessoas gostassem sem seguir aquele manual prévio (e que seria uma pena a gente perder estas pessoas por só conseguir enxergar o manual). Sim, se a gente ler o próprio Freud, em um artigo chamado “A dinâmica da transferência”, vamos entender que a maneira que a gente gosta das pessoas e volta nossa energia pra esse gostar é muito composta pelas vivências de como fomos gostados, aliada a essa parcela da cultura já que não somos bonequinhos soltos num universo sem contexto, né? Ou seja: até viemos equipados com as ferramentas para gostar, mas é algo que aprendemos, tal como comer, falar ou vestir as nossas próprias roupas.

Assim que mandei essa resposta vi que um amigo, com quem sempre compartilho essas inquietações de “ter que” (ter que formar, ter que ter emprego, ter que subir na carreira, ter que fazer especialização, ter que casar, ter que fazer festão, ter que ter filhos, ter que ser bonita, etc ao infinito e além) havia me marcado num texto maravilhoso do Gustavo Gitti (sou fã!) no qual ele falava de conceitos não compartilhados, de sair da zona que parece ser a única em matéria de maneira de enxergar as coisas, de quebrar um pouco essa “ditadura” que rege a nossa mente e por consequência a nossos objetivos e o jeito que a gente tenta tocar nossa vida.

Exemplifico: se eu digo “trabalho”, o que logo vem a mente? Horário comercial, delimitado, escritório, chefe, crescer na carreira, resultado, produtividade e por aí vai. Ou, por outro lado, trabalhar com o que se ama, escritórios interativo, horários flexíveis, líder, coworkers, empreendedorismo, etc. Não é tudo a mesma coisa, no fim? Não estamos dizendo que pra ser trabalho tem que ser assim ou assado? Como tirar então o trabalho desse lugar de “trabalho”? Em uma das crônicas de seu livro, “Tá todo mundo mal”, Jout Jout conta que se perguntou sobre isso ao começar a encarar seus vídeos no youtube como trabalho justamente porque não se encaixavam em nada do que ela chamaria de trabalho. Pois é, pelo visto, por mais banalizada que a frase seja quando a gente define, a gente limita – não só a coisa em si, mas especialmente a nossa forma de vê-la e de vivê-la.

E só piora quando a gente vai colocando “próximos passos” como se a vida fosse uma escadinha certeira. Seja na lógica entrar no trabalho, crescer lá dentro, ser promovido, virar chefe ou na lógica do afeto, ficantes-namorados-noivos-casados. Quem disse que só pode ser assim hein? E porque a gente acredita e se sente tão frustrado quando vê que não está sendo?

A gente não partilha os conceitos por mal, claro, e sim pela lógica que rege nossa porção ocidental do mundo (que veja, até vai se transformando com o tempo, mas nunca se desprende de estar presa a algum conceito prévio – como no caso da aceitação dos ficantes ou da necessidade de ver significado no trabalho exercido, que são novas formas de ver o mundo, mas que ainda enquadram como é que o mundo deve ser visto) que nos é ensinada e que facilita toda forma de diálogo por subentender que estamos todos partindo do mesmo pressuposto. E pela nossa própria necessidade humana de borda, de limite, de controle, de organização, de um mundo que pareça fazer algum sentido, ter alguma regência.

Mas e a perda hein? E o sofrimento de tentar seguir essa porção de manual ou de viver regido por esses objetivos palavreados como “carreira”, “promoção” ou “casamento”? E as horas que a gente devia estar aproveitando e perde por estar pensando onde elas tem que parar? Tipo a minha amiga, que ao invés de estar curtindo o paquerinha, está pensando que se ele gostasse dela e isso fosse dar em algo ele deveria ter que estar agindo de maneira y ou z. Tipo outra amiga que já definiu que o trabalho tem que ser assim e pagar o valor x e por isso nunca começa a efetivamente trabalhar. Ou ainda uma outra que vive brigando com o namorado porque “já está na hora” de eles casarem. Pra quê, pra quem, será que é pra gente mesmo ou é só porque parece que o próximo passo está sempre delimitado e se a gente não der estamos fadados ao fracasso?

Não, não é fácil abrir esses tais horizontes e dizer, como o Gitti, que “não trabalho com esses termos”, sério, é bem difícil porque muito naturalizado nos nossos próprios processos internos e muito estimulado quando exteriorizamos. Se você me perguntar o que eu espero de um emprego ou de um relacionamento pode ter certeza que eu vou acabar enumerando coisas! E só depois vou me tocar que estou definindo e delimitando e diminuindo toda extensão de coisas que a “falta de nome” pode me proporcionar. O exercício é contínuo, mas eu tenho acreditado que vale a pena. Desconstruir sem precisar construir nada para colocar no lugar é simplesmente alargar espaços para que tudo possa simplesmente ser.

Obs. A ilustração do post é da Tulipa Ruiz e foi escolhida a dedo. Vai, se você definir que o desenho leva o rosto de uma menina, consegue ver a tulipa? E se definir a tulipa, vislumbra o rosto?