Segundo a amiga que entendia de
astrologia era essa a razão daquele ex ter ressurgido propondo um encontro. O
planeta Vênus estava em alguma posição no céu que fazia com que o passado insistisse
em tentar ser presente, exigindo reaproximações e reavaliações, implorando que
as histórias mal resolvidas resolvessem-se de uma vez por todas, ora.
Foi pensando em Vênus, a Deusa
linda saindo da concha do mar no quadro, responsável por reger tudo que fosse
da ordem do “amor” que ela disse que aceitava o encontro. No peito o coração
quase saltava a boca: ultimamente vinham sendo “broders”, e ela se preocupava
que aquele tal planeta aprontasse um céu bonito demais que tornasse difícil não
quererem ser outras coisas mais, com outros tantos sabores que outrora foram
tão bons.
Vestiu também a cara mais séria e
distante para parecer que aquele encontro era nada mais que uma casualidade
tranquila no seu cotidiano. Estava se adaptando a pertencer a geração que
esconde desejos – a não ser que o outro deseje também e o mais importante:
demonstre primeiro!
Ele colocou um jazz pra tocar,
elogiou o sorriso dela e o quanto ela era boa companhia – tinha estado com
muitas outras e estando de novo com ela lhe parecia claro o quanto a dela era
agradável. Não queria fazer a comparação,
pois sabia que era tolice, pretendia mesmo era enaltecer o quanto a simples
presença dela lhe agradava.
Sentaram no chão, abriram o velho
vinho tinto de sempre e conversaram. Longas horas de uma boa conversa sobre os
mais variados assuntos e nenhuma palavra recaiu sobre os sentimentos dos dois. Ele colocava o cabelo dela atrás da orelha
dela e lhe acariciava o braço, vez ou outra. Ela, meio tonta, tentava atribuir significados
aos gestos dele.
Ao chegar em casa, ainda
embriagada de vinho e de coragem, ela escreveu a mensagem com as palavras que
não teve coragem de proferir: você ficou com vontade de me beijar hoje? A
resposta não tardou talvez também embebida em álcool – “claro que sim, mas não
senti que havia abertura”. Ela também quis beija-lo naquela noite, mas preferiu
não confessar. Entre Deuses e planetas ainda prevalecia seu orgulho. E estava
muito orgulhosa de saber que ainda despertava nele aquele tipo de desejo.
Ele. Nem parecia que aquele
ultimo encontro havia sido um mês atrás. Ela ainda se perguntava se valia a
pena ter sido orgulhosa e ter engolido a seco – por mais que molhado – o beijo
que queria dar e não deu, pensando em não ser fácil, não ser trouxa, não ser
disponível, não deixar ele pensar que era só estalar os dedos e lá estaria ela
a postos. Desde então ela não conseguia mais se lembrar do ultimo beijo que
havia dado nele, perseguida pela lembrança do beijo não dado e por seus ecos de
“e se”. Não se viram mais. Ela não sabia
se ainda se veriam. E por conta de consequências tão calculadas podia ser que
ela nunca mais pudesse experimentar isso de novo.
Desde então vinha catalogando os
beijos que quis dar e não deu pelas mais variadas razões – de medo de perguntar
se o outro também desejava a medo de ser explicitamente rejeitada. Um lado se
regozijava de ainda ter sido desejada por ele enquanto o outro lado se culpava
por não ter seguido os instintos e inscrito uma memória nova. Que planeta será
que ela poderia culpar por ter sido tão racional e medrosa? Havia algum planeta
que tonava tão importante a sensação de que o outro reconhecia nosso valor? Algum signo ?
Quando se deu conta já tinha uma
agenda mental dos últimos beijos não dados e esperava que a tal da Vênus agregasse
outras possibilidades de reencontro e que ela aproveitasse pois sabia que era
improvável que tivesse a coragem de repetir a ousadia da pergunta “hoje você
quis me beijar?” e ainda mais improvável que alguém confessasse isso de graça,
pós encontro, entregando o ouro ao bandido.
Abriu o celular e achou a
mensagem: “ainda penso naquele beijo que não existiu”. E agora, Vênus, o que
fazer? Ficar retrograda como você?