terça-feira, 7 de março de 2017

Vênus retrógrada



Segundo a amiga que entendia de astrologia era essa a razão daquele ex ter ressurgido propondo um encontro. O planeta Vênus estava em alguma posição no céu que fazia com que o passado insistisse em tentar ser presente, exigindo reaproximações e reavaliações, implorando que as histórias mal resolvidas resolvessem-se de uma vez por todas, ora.

Foi pensando em Vênus, a Deusa linda saindo da concha do mar no quadro, responsável por reger tudo que fosse da ordem do “amor” que ela disse que aceitava o encontro. No peito o coração quase saltava a boca: ultimamente vinham sendo “broders”, e ela se preocupava que aquele tal planeta aprontasse um céu bonito demais que tornasse difícil não quererem ser outras coisas mais, com outros tantos sabores que outrora foram tão bons.

Vestiu também a cara mais séria e distante para parecer que aquele encontro era nada mais que uma casualidade tranquila no seu cotidiano. Estava se adaptando a pertencer a geração que esconde desejos – a não ser que o outro deseje também e o mais importante: demonstre primeiro!
Ele colocou um jazz pra tocar, elogiou o sorriso dela e o quanto ela era boa companhia – tinha estado com muitas outras e estando de novo com ela lhe parecia claro o quanto a dela era agradável.  Não queria fazer a comparação, pois sabia que era tolice, pretendia mesmo era enaltecer o quanto a simples presença dela lhe agradava.

Sentaram no chão, abriram o velho vinho tinto de sempre e conversaram. Longas horas de uma boa conversa sobre os mais variados assuntos e nenhuma palavra recaiu sobre os sentimentos dos dois.  Ele colocava o cabelo dela atrás da orelha dela e lhe acariciava o braço, vez ou outra.  Ela, meio tonta, tentava atribuir significados aos gestos dele.

Ao chegar em casa, ainda embriagada de vinho e de coragem, ela escreveu a mensagem com as palavras que não teve coragem de proferir: você ficou com vontade de me beijar hoje? A resposta não tardou talvez também embebida em álcool – “claro que sim, mas não senti que havia abertura”. Ela também quis beija-lo naquela noite, mas preferiu não confessar. Entre Deuses e planetas ainda prevalecia seu orgulho. E estava muito orgulhosa de saber que ainda despertava nele aquele tipo de desejo.

Ele. Nem parecia que aquele ultimo encontro havia sido um mês atrás. Ela ainda se perguntava se valia a pena ter sido orgulhosa e ter engolido a seco – por mais que molhado – o beijo que queria dar e não deu, pensando em não ser fácil, não ser trouxa, não ser disponível, não deixar ele pensar que era só estalar os dedos e lá estaria ela a postos. Desde então ela não conseguia mais se lembrar do ultimo beijo que havia dado nele, perseguida pela lembrança do beijo não dado e por seus ecos de “e se”.  Não se viram mais. Ela não sabia se ainda se veriam. E por conta de consequências tão calculadas podia ser que ela nunca mais pudesse experimentar isso de novo.

Desde então vinha catalogando os beijos que quis dar e não deu pelas mais variadas razões – de medo de perguntar se o outro também desejava a medo de ser explicitamente rejeitada. Um lado se regozijava de ainda ter sido desejada por ele enquanto o outro lado se culpava por não ter seguido os instintos e inscrito uma memória nova. Que planeta será que ela poderia culpar por ter sido tão racional e medrosa? Havia algum planeta que tonava tão importante a sensação de que o outro reconhecia nosso valor? Algum signo?

Quando se deu conta já tinha uma agenda mental dos últimos beijos não dados e esperava que a tal da Vênus agregasse outras possibilidades de reencontro e que ela aproveitasse pois sabia que era improvável que tivesse a coragem de repetir a ousadia da pergunta “hoje você quis me beijar?” e ainda mais improvável que alguém confessasse isso de graça, pós encontro, entregando o ouro ao bandido.


Abriu o celular e achou a mensagem: “ainda penso naquele beijo que não existiu”. E agora, Vênus, o que fazer? Ficar retrograda como você? 

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