terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Cheiro de sabonete


Eu saio do banho com cheiro do seu sabonete e adoro essa sensação. Na frente do prédio tem uma fila enorme para entrar na discoteca do outro lado da rua e eu me vejo bisbilhotando aquelas interações pela janela – como aquelas pessoas se encontram, hein? Seu sabonete é tão cheiroso e a gente tá tão protegido aqui dentro que lá fora todo mundo parece sujo.

Olho pra você sentado na poltrona, meio aturdida com a insignificância do que se diz para seduzir alguém, e você sorri pra mim e estende a mão e me diz: “se acalma mulher, essa sua vontade de entender ainda vai te tirar o norte’”. E eu tenho vontade de responder que se você deixar eu me afogar em você eu não vou querer entender mais nada, que se você for meu sabonete e me deixar tão limpa das minhas impurezas e incertezas eu não dou a mínima para mais nada mas eu só sorrio de volta – você me conhece.

E você começa a falar dos seus problemas e eu não consigo me concentrar. Como é que alguém tão lindo pode ser tão doído? Você descarta a minha utopia de beleza como curativo. Ninguém é mais bonito do que você. E eu sei que você só conversa esses problemas comigo, e eu sei de tanta coisa e eu tenho raiva dessa coisa de ser amiga, de ser só amiga. De saber que é pra mim que você liga de madrugada quando seu encontro foi ruim, é a minha correção que você quer nos seus relatórios do trabalho, é comigo que você vai comer no boteco fim-de-carreira [porque eu sou a mulher maravilhosa que você não precisa impressionar] mas não é comigo que você vai pra cama e nem é pra mim que você manda flores. E aí, quando você para de falar dos seus problemas e me pergunta se eu entendi, e eu estava tão distante, sorrio e beijo a sua mão.

"- Vai ficar tudo bem?" Você me pergunta, e eu juro que eu queria dizer que sim, que se você deixasse ficava era tudo ótimo, que eu sei qual é a sua comida favorita e o carinho que você gosta quando tá cansado de tanto trabalho... Daria tudo certo se você deixasse a gente dar certo. Acabo dizendo que vai dar certo com ela, a fulana da rodada ou com qualquer uma, de qualquer jeito, mesmo que elas não te mereçam, não saibam rir das suas piadas sem graça, não saibam entender que você sempre abre demais a boca pra falar e pra dar risada porque no fundo, bem no fundo, você quer conquistar o mundo, engolir o mundo, viver o mundo inteiro pra já ou que elas não tenham paciência de ver um jogo de futebol com você e discutir impedimentos enquanto fazem planilhas que tem que entregar na segunda...eu digo a você que as coisas vão dar certo, e não digo mais nada. E me despeço e vou embora.

 Vou embora porque tô limpa, porque tenho medo, como posso ser são sua se nunca fui de fato sua? Não sei o gosto do seu beijo, mas sei que o sapato que eu uso é pra você, que a cor do meu esmalte é pra você, que a minha comida japonesa é só pra ver você sorrir do meu desajeito com os hashis... Eu sou tão sua e tenho tanto medo de te perder, e você nunca foi nada meu, nada além do meu melhor amigo, do cara que sabe até quantos caras eu já beijei nessa vida.
Eu vou embora com meu cheiro do seu sabonete. Eu vou embora tão limpa que não posso ir em nenhuma boate me esbaldar pra te esquecer, pra me sujar, pra ver se assim eu posso não te pertencer...

Vou pra casa ver televisão. Fazer cálculos estatísticos. Comer algo saudável. Tomar vergonha na cara. Sei lá. Eu vou fazer qualquer coisa que me mantenha longe de você.. e aí me lembro que você mora aqui dentro.


Me dei por vencida. Tô na fila suja da boate. Amanhã, será que você pode me emprestar de novo o sabonete? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário