sexta-feira, 11 de abril de 2014

Encontros

Dia 1
"Huumm, esse não, muito menininha, ele vai pensar que eu sou ingênua demais, inexperiente, talvez até boba...". Puxa as mangas, tira o vestido pela cabeça, despenteando-se, joga-o na cama. Lembra-se do vestido preto, de alças finas, que comprou justamente para a ocasião e que ao longo da semana, longe das luzes do provador da loja, mostrou-se menos gracioso do que outrora, mais sexy do que o desejado. "Credo! Parece que eu tô me oferecendo em uma bandeja, só falta a maçã na boca! Não, não, não é isso, ainda não é isso..." Abre a porta do armário, analisa o conteúdo do seu interior, novamente. Passa a mão entre os cabides. Muxoxo. Morde o lábio. "Ai, que droga". Opta pelo básico, pelo seguro, coloca uma calça jeans, uma sapatilha, uma batinha. "Ridículo! Parece que vou tomar um chopp com as minhas amigas. Parece que o encontro não significa nada para mim, parece que ele não vale a arrumação, o investimento, parece que eu saí de algum lugar e fui direto pra lá..."
Começa a puxar as roupas que estão emboladas na cama, dobrando-as sem muito cuidado, com a cabeça longe, talvez tentando resolver a grande equação que envolvia a sua mente: vestir-se para ser quem se é, como é que eu faço isso? Olhou-se no espelho: "quem sou eu, mesmo, por detrás dessas pequenas sardas nas bochechas? por detrás das lentes de contato? da pequena cicatriz na testa? da espinha que teimou em aparecer justo agora bem no meu queixo? Não, não é isso. Eu sou uma porção de coisas. Muitas coisas. Inclusive uma indecisa com as minhas próprias roupas. Mas hoje, especialmente hoje, o que eu quero ser mais?" Colocou a sandália alta, a saia preta, a blusa que ganhou da madrinha no aniversário. Pintou os olhos. Cobriu as sardas. Ajeitou o cabelo. Podia assumir a faceta que melhor lhe conviesse. Quanto antes aceitasse o seu papel de atriz no palco, sempre buscando o melhor ângulo, numa comédia em que insistentemente busca-se o sorriso do público, melhor se sentiria.
No horário combinado encontraram-se. Foi desconfortável esticar-se para dar os dois beijinhos no rosto, sem saber que lado beijar primeiro, sabendo bem onde queria beijar. Andar conversando, meio de lado, preocupadíssima com as coisas que ia dizendo durante a conversa, balanceado para não ser nada em excesso, fez com que praticamente não escutasse, de fato, a fundo, o que ele dizia. Também, pudera, era difícil se concentrar do alto daqueles sapatos. "Onde eu estava com a cabeça quando coloquei esses malditos sapatos? Ah é, no coração..."
Compram pipoca. "E agora, devo me oferecer para pagar? Ai, ele não aceitou! Insisto ou agradeço...?". Compram os ingressos. Sentam nas poltronas. A sala escurece. O filme começa. O cheiro de pipoca predomina. Ele pega na mão dela, meio sem jeito. Sorri. Ela retribui, sem conseguir olhar diretamente para ele. Ele brinca com o cabelo dela. Eles se beijam e ela gosta. Mas não consegue evitar de pensar "nossa, como esse cheiro de pipoca me dá dor de cabeça..."

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Dia 365
Ela chega esbaforida. Ele, que já está lá esperando, sorri e acena. Ela usa um vestidinho branco e seu par favorito de sandálias, sem salto. Beijam-se, ela sorri e limpa a manchinha que seu batom deixou no rosto dele. Ela começa a falar sem parar, como sempre, da quantidade de coisas que aconteceram no escritório, do almoço sem sal da comida a quilo e de que está com as pernas doendo de tanto subir escadas e por isso botou aquela sandália velha, coitada, mas que jeito. Ele sorri, e acha realmente graça. Já sabe que ela odeia salto. Lembra que da última vez que ela usou salto quando saíram para dançar eles quase foram parar em uma emergência ortopédica.Já assistiu, mais de uma vez, a beleza do ritual de libertação dela, ao chegar em casa depois de uma festa inteira em cima do salto, e sair jogando as sandálias pra cima e deixando-as cair de qualquer jeito. E apertar os dedos dos pés, um por um, em uma espécie de massagem e jogar-se na cama com as pernas para cima. Ele a achava muito mais sexy fazendo aquele ritual de libertação do que dançando em cima dos saltos durante a festa mas tudo bem. Ele olha pra ela enquanto ela pede um milk-shake e se dá conta de que adora aquelas sardinhas. E que demorou muito tempo para confirmar que ela tinha sardinhas nas bochechas. Quer dizer, ele achava que tinha se enganado nas primeiras vezes que a viu no curso de inglês, porque durante muito tempo ela parecia não ter nenhuma sardinha... Mas depois que eles dormiram juntos, e ele brincou de procurar desenhos naquelas sardinhas, elas tinham aparecido mais frequentemente. Ela se mostra muito interessada no filme, fala das recomendações que recebeu. Ele sabe que o volume de trabalho dela foi intenso naquela semana e que é possível que ela encoste a cabeça em seu ombro e durma ants do final do filme. Ele sabe que não vai comer pipoca embora viva pirraçando-a dizendo estar com saudades do cheiro de milho estourado. Ela quase cai na entrada do cinema, enquanto distraiu-se com o pôster de um filme. Ele faz uma caretinha. Dentre todos que ele podia vir a conhecer, deleitava-se percebendo as pequenezas cotidianas que agrupadas constituem o verdadeiramente interessar-se confortavelmente por conhecer alguém.

2 comentários:

  1. Ahhhhhh Juuuuuuuu! Que lindo! AMEI!
    Quando sai o livro da história completa? Prometo estar lá na na filinha, esperando pelo autógrafo! :')

    Parabéns, eu nem sabia que vc escrevia tão bem, fiquei surpresa... e eu me reconheci nessa mocinha que decide "ser quem quiser" por uma noite e ao longo do tempo vai mostrando quem é de verdade. Acho que todas temos um pouquinho disso, né?

    Espero que o desejo de blogar se mantenha constante, vou adorar te ter por perto e ler suas palavras... aliás, acho que já tá na hora de marcar algo NÃO virtual, certo? :) Tivemos poucas chances no Ravs, mas sempre te vi como alguém madura e de bom coração.

    Um beijo grande e PARABÉNS, mais uma vez :D

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  2. Que lindo! Amei esse texto, suas palavras são muito singelas. Adorei a simplicidade delas e elas são muito visuais também. Além do que, são bem reais. Quem nunca viveu uma situação dessa? Ainda que do outro lado? Continue entregando as suas belas palavras ao mundo. Beijos

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